segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Presságio

"Nunca se sabe até saber...", era o tipo de resposta que ela gostava de dar. Eu gostava de ouvir suas histórias, embora acabassem na metade e, na maioria das vezes, sequer terminassem. Mas eu gostava, pois ela sabia criar histórias do ar e ia falando como se sempre estivessem por lá. Nunca havia uma pausa ou um instante de dúvida. Elas estavam lá, frescas e inteiras, as histórias que completavam a minha vida e a dela.

Mas não é essa história que vim contar, é a da moça dos cabelos de prata e sorriso de marfim. Não se sabe o nome dessa moça, nem quem eram seus pais, ou se houve alguém na vida dela que merecesse ter alguma linha dedicada em sua história. Tudo o que se sabe é que ela era uma moça dos cabelos de prata e tinha um sorriso de marfim. Ah, e sua ocupação: ela era vidente. Não como aquelas que se enfeitam e vendem suas bugigangas nas feiras, buscando ler as mãos dos turistas desavisados. Essas são tolas e vendem seus tesouros. Ela tinha suas previsões e as guardava em um baú de madeira, grande e pesado, tão pesado que ela não conseguiria mover.

Como em todas as histórias, tem que haver um senão. A bela moça só tinha a capacidade de ver o futuro dos outros. Nada que fosse seu, bom ou ruim, Por isso, vivia sozinha e inalcançável em uma casa no campo. De quando em quando, via gente dos arredores, mas não significavam muita coisa para ela. Longe dos olhos, longe do coração.

Até o dia em que houve um vento de mudança em suas previsões. Uma brisa suave que causa um efeito devastador e a moça dos cabelos de prata e sorriso de marfim descobriu isso da maneira mais humana possível: ao ver o seu próprio futuro. Sim, um jovem rapaz apareceria e a levaria para longe dali, para longe dos presságios, das visões. Ao ver que ficaria distante do seu dom para sempre, teve medo. Mas ao ver a vida que teria com ele, teve amor.

Eis o problema (sim, eu sei que toda história tem um eis, mas eu já passei pelo ser, pelo senão e pelo até. O que você esperava? Eu estou conformado com a história do jeito que é, então peço que se conforme também): a moça dos cabelos de prata e sorriso de marfim não podia ter o luxo de viver as duas coisas, Amor e dom não se completam. É a escolha que todos devemos fazer, mais cedo ou mais tarde. Há quem escolha dom, há quem escolha amor, há quem escolha a si mesmo e há quem abre mão de escolher qualquer coisa. Mas qualquer coisa é insatisfatório, não é? Mas uma coisa é certa: não há quem escolheu e não perdeu algo. E ela sabia disso.

- Então a moça dos cabelos de prata e sorriso de marfim fez sua escolha. Fim.

- Que tipo de final é este? - eu reclamava e ficava emburrado. - O que ela escolheu?

- O final está aí. Basta abrir os olhos e ver.

Era o tipo de resposta que ela gostava de dar.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Canção de nuvem e areia

Eu escrevo ao grande amor inatingível
Sim, dedico fracas linhas ao idealizado
Os dedos raspam no mistério intocado
Mas é sombra o sentimento intangível

Ainda canto ao grande tempo desperdiçado
Sim, desafino em favor do que é crível
Mas se desfaço a sutileza do atingível
Não corro o risco de soar muito apressado?

Quando a hora é areia e o coração é nuvem
Vê-se a ilusão nos amantes que se abrasam
Mas o som do relógio nos torna pragmáticos
E me constrange soar tão amorosamente ingrato

Que a areia e a nuvem se queiram e se enluvem
Mas é bobagem: opostos apenas se acusam
E hoje não mais faço coro aos gramáticos
Insisto que o tempo é concreto e o amor, abstrato.

domingo, 5 de outubro de 2014

Mudança

Eles acham certo amar os pequenos pedaços de vida espalhados pelo mundo. Recortam a poesia em imagens fugazes, exaltam a nostalgia e se armam com o romantismo. Vivem o sofrimento com intensidade. O eu-lírico é uma muralha intransponível - quem o entende? O tom seguro do desgosto supera o do otimismo. As penitências se acumulam. pois a fé é a razão central da existência. Enchem-se de falsa amargura e de um raso vazio existencial.

Onde está o amor inteiro, concreto? E a poesia que não está atrelada a imagens? Por que essa irritante nostalgia do que está preso nas fotos? Qual é a dificuldade de entender o eu-lírico? Não é um ser inatingível, incriado... Perdoem a arrogância, mas ele é tão humano quanto todos nós. O tempo passa, ele cresce e vive, mas ainda é irremediavelmente humano - graças a Deus! - por isso, a pergunta: qual a dificuldade? Uma espécie de falsa modéstia? Ou apenas uma crença maluca?

Não importa que ele questione o mundo. A resposta é sempre o sofrimento. Nesse mundo, todos sofrem da mesma forma, do mesmo jeito, com as mesmas dores.

Ele está farto desse mundo.

sábado, 30 de agosto de 2014

Angústia

Ela ajeitou o cabelo dele e um sorriso discreto apareceu em seus lábios. Ela se alimentava desses pequenos momentos, dessas pequenas vontades. Eu observava de perto a dinâmica desse protótipo de relação. Sim, dessa espécie de proto-relação. Não peço perdão pela arrogância do neologismo, era isso o que eles eram e ele sabia. Ela ali estava, subserviente, esperando pelas migalhas de afeição que caíam da mesa dele. Sentia fome de um amor maior, mas faltava a coragem de um confronto. E assim ia morrendo de desejo, de vontade, de querer um algo inatingível, porque, convenhamos, é melhor nada ser do que nada ter. Nada sendo ia tendo, mesmo que ele não se importasse. Mesmo que o fascínio a dominasse. E ele sabia desse fascínio, abusando como podia. Porque era tolo. Porque não sabia que é melhor ser útil do que desejado. Porque a angústia dela era quase como a de um texto escrito em parágrafo único, igual a esse que escrevo, texto bruto escrito em bloco único. Era quase como se os eventos fossem acontecendo e ninguém pudesse pará-los (no final das contas, ninguém vai parar mesmo, não é?) e o mundo segue e o texto corre e corre e corre... Nesse quase-quase de amar sem ter amor, a angústia dela aumentava, o tempo passava e nada acontecia. Eu apenas observava ele não se compadecer da dor dela, que pingava de um conta-gotas sem fim. "Alguém vai pará-lo?" Os céus proclamam a lacônica resposta: "Só Deus sabe!". Minto, fui eu que falei. Mas eu não quero assumir a responsabilidade de uma frase tão desesperançosa. Devo voltar a falar dela? Pois bem: por enquanto, ela vai sofrer. Eventualmente, vai querer morrer, mas é bom morrer de vez em quando. Morte nem sempre é fim. Quase nunca, na verdade. No fim, não nos agarramos a essa esperança?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A luz

Ele havia se trancado há muito tempo. O velho quarto empoeirado era sua grande personalidade e o vazio, um excelente conhecido. Um conhecido distante, polido... Afável, mas não amável. Cercava-se de solidão, esperançoso que o tempo lhe providenciasse misericórdia. “Depois de um tempo, a gente se acostuma...”, era a quase oração cotidiana. Dançava sozinho, tendo ao seu lado um imenso rosário feito de más expectativas e sonhos ruins. Rezava para um alguém distante e se sentia espiritual.

Cansado do imperfeito, descartou as dores de sempre e andou dois passos em direção à porta. Tímido, tirou os sapatos e desceu a mão sobre a maçaneta. No estalar de um tempo que jamais voltaria, a porta se abriu e revelou um clarão que ele nunca imaginou contemplar.

Deus?! Eu não sei.
Desatou a rir, pois sabia.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Aos Livres

Eu era livre
Mas prenderam minhas mãos
Mandaram eu ser nada
E catar o feijão.

Eu era livre
Mas me confundiram na rua
De repente, sou bruxa!
Morte sem explicação.

Eu era livre
Mas prenderam minhas mãos
Mandaram eu calar a boca
E catar algodão.

Eu era livre
Mas me prenderam no poste
Disseram que eu não era humano
Sem direito ao perdão.

Deus me livre
Daqueles que dizem ser livres
Mas matam o seu próximo
Com as próprias mãos.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

tempo-matéria


Certa vez, eu quis que o destino me fosse favorável
E pedi que o tempo parasse por um instante
Mas como pode um ser tão irrelevante
Obter dos céus tal graça inalcançável?

A decepção marcada em meu rosto
Deu-me a força necessária para o desapego
Você, porém, ainda quer insistir no desassossego
De querer que o tempo não lhe cause o menor desgosto

Não vê que só ao Eterno pertence tão grande privilégio?
Compreende então a dimensão do seu sacrilégio
Aquieta e espera, sem rumo, sem fé, sem norte
E compreende os escritos da nossa sorte

Que, cruel, o tempo preza pela hora
A linearidade dos ponteiros do agora
Abraça a percepção de que ele nunca passa
E entende de uma vez que não há quem o desfaça.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Ruína (fim)

- Olhar...?

Não entendeu. O que ela queria dizer com aquilo? O sinal vermelho, a espera... Será que ela não via como era injusto deixá-lo no escuro? As luzes do parque, o carrossel girando e girando... Não via? Por que não via? E a dor aumentava. O sorriso dela, aquele olhar tão vivo... Estava cego? O carrossel, o parque, tudo se misturava. O mundo rodava, mas estavam parados no mesmo lugar. O que era aquela sensação crescente no peito dele?

- Agonia.

Ela sabia que ele precisava daquilo. Iluminação... Esclarecimento? Não soube dizer o que era. Apenas sabia que deveria falar. Que deveria ajudá-lo a entender a dor em toda a sua plenitude. Sentiu-se miserável por fazê-lo passar por aquilo. Não suportava. Apenas caminhou em direção à saída na esperança de que ele compreendesse sozinho.

- Você acha que é a minha ruína.

"Ele conseguiu?", o rosto dela se iluminou. Mas rapidamente desfez o sorriso quando voltou o rosto para encará-lo. Onde estava o rapaz que ela conhecera? Ela havia conseguido. Ele estava quebrado. E onde estava a beleza disso? Continuou caminhando em direção à porta, pesando a dor que sentia, e só conseguiu ouvir o desespero na voz dele:

- Você sabe que podemos fazer dar certo. 
- Eu sei. - foi o adeus dela.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Ruína (II)

- Se você sabe...

Não continuou, pois entendeu que devia esperar uma resposta. Como era possível que o olhar confuso dela expressasse mil verdades? Ele sabia que precisava esperar, mas a espera nunca foi o seu forte. Lembrou do dia em que a conhecera: sinal vermelho, espera, impaciência, um sorriso tímido do outro lado e pronto. Em pouco tempo, se viu puxando assunto com uma total desconhecida. Gostou do humor dela, do modo sombrio de ver as coisas...

- Lembra do dia no parque? - a voz dela estava distante.

"Como poderia esquecer?", pensou. Ela odiava parques, mas ele a havia convencido. No início, ela parecia chateada por estar ali, mas a companhia dele a ajudou a relaxar. Em pouco tempo, ela parecia uma criança. Correndo de um lado pro outro, desajeitada, rindo sem motivo.. O último brinquedo era o carrossel e ela correu para a fila. Ele pensou em como aquilo deveria parecer estúpido, até ver o olhar embevecido dela. O mundo girava e girava, mas nada importava. A felicidade dela era o que importava.

- Não entendo... Você parecia...

Ela ainda parecia distante quando interrompeu:

- Eu não posso te devolver aquele olhar.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Ruína

- Não... - e baixou a cabeça.
- Eu entendo.

Não era o que esperava. Imaginou vários cenários em seus pensamentos: reações de raiva, de medo, de desespero... Mas não aprendera a controlar aquilo que estava impresso na voz dele. Queria confirmar o que era, mas não ousou levantar a cabeça para olhar nos olhos dele.

- Você sabe...
- Chega. Não mais. - houve uma quebra na voz.

Ela se calou. Era raiva? Não sabia. Esperou que a chuva de palavras viesse, mas ele levantou a cabeça dela e beijou os seus lábios. Surpresa, ela retribuiu. Os pensamentos desapareceram e ela não pensou em mais nada a não ser naquele beijo. Por um breve momento, se sentiu segura e pensou que nada poderia machucá-la. Quando se separaram, havia uma lágrima em seu rosto.

- Esquece isso. - ele enxugou a lágrima do rosto dela e prosseguiu: - Você sabe...
- Eu sei... - ela interrompeu.

Ela sabia que iria arruiná-lo.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Pronome

Em favor do nome,
Relativizamos relacionamentos
O quê do qual do quem que quer.

Em favor do nome,
Almejamos os solenes tratamentos
O magnificentíssimo não tem tudo o que requer?

Em favor do nome,
Interrogamos o suspeito inquestionável
Afinal, quem mais seria o culpado disso tudo?

Em favor do nome,
Possuímos o destino inviolável
Ao roubar o som do tempo e deixá-lo mudo.

Em favor do nome,
Não definimos nossa ambição
Tudo em vez do algo, nada em vez de alguém.

Em favor do nome,
Pluralizamos os limites da nossa indecisão
Obrigando que os caminhos oblíquos se adequem.

Em favor do nome,
Demonstramos nosso medo
Aquele - tão pequeno! - matou este que correu.

E no final de tudo,
Impessoalizamos desde cedo:
Tu, vós e eles formam nós que enforcam o eu.

sábado, 3 de maio de 2014

Eu, Tu, Ele

"Precisas de conforto", tu afirmas
E dizes que ages no nome dele
Mas me entregas uma cama de pedra
E me tratas como um escravo tolo.

"És lugar de descanso?", eu pergunto
Escárnio e desprezo estão comigo
Prefiro falar por mim mesmo
Do que ser fantoche dos outros.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sem



O começo é suave, o final é intenso
Perceba o erro, o acerto, o perfeito
Perdoe-me então a declaração inicial
Ao lembrar que o coração está no companheiro.

Querer o todo à parte ainda é ganância?
O oxímoro perfeito de um ser definitivo
E se não há esperança em muitos aspectos
Lembre-se que há muito tempo para se editar.

Ainda há desgosto e dor e dúvida e desdém
Incorreto eu sou, andava com pressa
Aos poucos, porém, encerrei com as preces
Antes que o tempo perdido do fim me viesse.

Por ora, entendo que o desejo não tomará conta
- Lembro que o amor é bem mais importante...
E se a chuva intermitente parece infindável
A primavera, decerto, será ainda mais bela.

As palavras dela ainda ressoam na memória:
"Quanto ao tempo, que seja longo!"
Então, antes do fim, acrescento os meus pobres versos:
"Certamente, sem Ele, não seria possível..."

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Nós



"O laço que nos une é o amor..."
Onde está o amor
No discurso implacável?

"O laço que nos prende é a verdade..."
Onde está a verdade
No vosso silêncio?

"O laço que nos ata é o descanso..."
Onde está o descanso
Quando se precisa dele?

"O laço que nos amarra é a união..."
E é por isso que sinto
Nós em volta do pescoço?

segunda-feira, 31 de março de 2014

Vós

Inocente, o pássaro canta
Uma canção inconfundível
Descansa, pois está seguro
E acalenta os filhotes no ninho

Aproximastes ao ouvir o seu canto
No íntimo, invejastes tão grande beleza
Quebrastes as asas, os ovos, o futuro
Mas de ouro ornastes a gaiola do bicho.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Eles

Eles dizem que lá é um lugar de descanso
E que o pensamento é livre do julgamento
Então por que não se ouve o lamento
Daquele que é calmo, sereno e manso?

Eles falam que lá o amor vale a pena
E que todos são recebidos com simpatia
Então como se explica a ironia
De não amar àquele que não condena?

Eles pedem a mão, mas querem o braço
Elogiam a voz, anelam pelo canto
O coração não ouve, no entanto,
O choro do que se entregou ao cansaço

Eles exigem de todos provas de mudança
Sufocam o amor, o descanso é incerto
Mas uma coisa não muda e disso estou certo:
A doce e indelével esperança.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Dissonância

A música grita nos fones de ouvido. Parece isolado do mundo, mas não se desconecta. O som das teclas batendo apressadamente enche o quarto. A televisão está ligada, mas ninguém assiste. Ainda há o vozerio dos vizinhos, o grito das crianças, o farfalhar das folhas no quintal... Mas ele não se liga a nenhum som em particular. Aliás, ele nem percebe o som ao redor.

Ele enche sua vida com sons. Diversas alturas e intensidades. Diferentes ritmos, compassos elaborados. A música que não dá resposta para as angústias. Buscando profundidade em relacionamentos rasos que acontecem por meio de um frio monitor. Os canais que não assiste são a fonte do saber que irá reproduzir em suas conversas. Trancado em seu mundo, se conforta em ouvir sobre a segurança do lado de fora.

Apenas ouve. E não ouve.
Tantos sons... Não é irônico?
O mais alto ainda é o da solidão.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O desenho

Silêncio. Olhos fixos na estrada. Estava preocupado em voltar para casa. A viagem lhe parecera mais longa do que o necessário. Teria sido esse o motivo da discussão com a esposa? Não lembrava. Arriscou um olhar para o banco do carona. A mulher parecia cansada. "Essas reuniões familiares me deixam louca!", era o que costumava dizer a ele. Talvez esse tenha sido o motivo? As reuniões que ele também detestava? Olhou pelo retrovisor e admirou a menina que desenhava no banco de trás. O lápis amarelo correndo pelo papel era a única coisa que quebrava o silêncio. A esposa continuava a olhar para a paisagem, desinteressada. Pensou em mil maneiras de pedir desculpas, mas as palavras pareciam insuficientes.

- Papai, papai... Olha! - a voz da filha o tirou do turbilhão de pensamentos.

Levantou os olhos e admirou o desenho simples que a filha fizera. O sol amarelo brilhava em cima de uma casa de proporções monumentais. Árvores e flores. Os três estavam de mãos dadas. Felizes. Percebeu que o motivo da briga não importava. Elogiou o trabalho da filha e sua voz pareceu acordar a esposa da apatia em que se encontrava. Quando ela se voltou no banco para admirar o desenho, não estava ali a mulher cansada da viagem, mas sim a moça de cabelo castanho e sorriso bonito por quem ele se apaixonara. Soltou a mão da marcha e segurou firme a mão da esposa. Havia surpresa no olhar dela, mas o sorriso era radiante. Nenhuma palavra precisou ser dita. 

Tudo ficou impresso naquele desenho.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Andando



- Pare.

Já estou parado há tanto tempo... Não, não me entenda mal. É apenas uma constatação. Também percebo que sempre obedeço as ordens do tempo (mesmo que dure tempo demais). É benéfico? É sadio? O tempo não responde. O relógio está preocupado em girar os ponteiros. Cruel, não há quem o detenha. 

Era o que eu achava...

Hoje entendo que esperar é diferente de parar. Em movimento, espero. As engrenagens do tempo não param? Bom saber, não me restrinjo a elas. Se o tempo é o senhor da razão, vivo na insanidade do Eterno. Se dizem que o tempo faz tudo esquecer, lembro que o perdão é divino. Descubro um velho caminho, mas único e perfeito. Sigo nesse caminho estreito, difícil e penoso, mas que traz vida. Culpa e dor? Já os troquei por felicidade há muito tempo...

- Pare! - diz o tempo.

Não mesmo.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ofício



Escrevo e apago. Inúmeros recomeços. Começando pelo meio, indo para o fim e voltando ao começo. E nada é perfeito. Tudo está errado. Apago e escrevo. Extrair perfeição do que é imperfeito exige esforço. Não me agrado das rimas, não entendo a métrica, não me conformo com o que é certo...

Mas quero o perfeito.
Essa é a rotina a que me submeto.

Ela me tortura, mas não consigo me livrar. Nem quero. A rotina é o vício e eu sou um adicto. Por ora. Talvez eu abandone o hábito e me vicie em outra coisa. Mas não agora. Não enquanto os pontos carregarem significado. Por ora, esqueço.

Devaneio.
E escrevo.
Apago.

"Um fardo". Você não entende. Talvez nunca entenda. O silêncio é perfeito, mas as palavras têm peso. O peso da urgência, do agora. E eu as entendo. Não abraço a perfeição do silêncio. Imperfeito. Indo para o meio, volto ao fim e termino no começo.

Apago.
Escrevo.
Recomeço.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014