quinta-feira, 25 de abril de 2013

Risco




Parou diante da tela branca. Não sabia o que arriscar. Não ainda. Aquela sensação imperceptível e familiar estava presente de novo. Sabia o que viria em seguida: o sublime triunfo, a falta de reconhecimento, o profundo vazio. Insistia naquele hábito, que alguns chamavam hobby. "Arrogantes...". Conhecia os limites de sua própria arrogância, mas odiava vê-los nos outros. Pareciam tão... 

Ilimitados.

Resolveu que ficaria ali sentado até saber o que arriscar. Pensou em diversas estruturas, em diversos conceitos, mas não achou algum que o alegrasse. A satisfação dos outros tempos era imediata, mas agora era fruto de árduo esforço. Trabalhava tal qual um operário. A diferença é que construía um prédio em ruínas, consumido pelo tempo. A poeira se acumulava em seu local de trabalho. Os tijolos eram todos velhos e já sabia como utilizá-los. O tempo diluía o ritmo da construção.

Levantou-se e abriu a janela. O toldo do quintal impedia-o de ver se havia sol. O tempo era frio, costumeiro, quase amigo. Pegou um casaco, desligou o instrumento de obra e saiu do quarto. Parou, por um tempo, diante da porta da sala. Ir lá fora soava como uma excentricidade. Colocou a mão na fechadura e girou a maçaneta. Claridade.

Não sabia o que arriscar.
Não ainda.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Sentido



Há tempos em que você se acomoda. São tempos em que o pretérito domina a vida e o som dos sinos de outrora era apenas fantasia. Não existe sol, luz, calor ou som. O nada se torna aquilo que lhe completa. Surgem as tais questões sobre a vida, mas que vida? Levantar e ativar o modo de espera constitui vida? Ou agir determina o ser? 

Ser ou não ser?

A vida te chama à prática. A vida exige prazos e encerra ciclos. Demanda que cresças, que te tornes útil. Imperativa, força-te a ser alguém, mesmo que tu não saibas quem és. Não precisas de personalidade, precisas ter pressa. O tempo não anda a teu favor. Tu irás perder tempo com devaneios? Não vês que os papéis se acumulam, que as pessoas passam, que o relógio anda e tu ainda estás parado?

Ser por ser?

Não sei o que ainda faço aqui. Penso que o mundo está andando depressa demais e eu vou andando num ritmo lento. Aprecio o mistério de apreciar o tempo, enquanto as pessoas apenas correm os olhos por ele. Culpa, dor, lamento, sacrifício e fardo... Elas querem levá-los, mas sei que não devo. Penso no julgamento e não me declaro culpado. Exclamo minha inocência em curta resposta:

- Não ser!

terça-feira, 2 de abril de 2013

Vermelho (pt. 2)




Escuridão.

Valter já havia perdido a noção do tempo em que estava ali naquele porão com aquelas duas malucas. Se não estivesse preso, facilmente as subjugaria. Pensou no que faria com elas. Fantasiou com as diversas torturas que praticaria com aquelas vagabundas. "Primeiro, vou pegar a mais nova e então..."

Abriu os olhos e vislumbrou a figura da irmã mais velha. Ela sorria com o alicate na mão. Olhou para o carrinho que estava próximo à irmã mais nova e contou, desesperado, trinta dentes.

- Que decepção, Valter... Esperava que você tivesse uma dentição completa!

O olhar do homem exalava ódio. As irmãs haviam apostado quantos dentes arrancariam dele e se ele desmaiaria no processo. Os gritos dele se mostraram completamente inúteis e a escuridão chegou antes que não existissem mais caninos.

- Desculpe-me a remoção completa. Da próxima vez, serei mais cuidadosa... - zombou a moça.

A irmã mais nova abriu um sorriso, mostrando dentes imperfeitos. Valter não levantou a cabeça:

- Quando vocês irão me soltar?

- Você não vai embora até estar completamente purificado.

"Purificado? O que essa doida está dizendo?", pensou o homem. De repente, um som alto ecoou na sala. Valter reconheceu o som de uma serra sendo ligada e tentou se libertar. A irmã mais velha não se abalou com as súplicas do homem, pois recebeu o pesado objeto das mãos da irmã caçula de uma maneira muito calma. Petrificado, Valter escutou as últimas palavras:

- Tudo estará acabado quando parar de chover sangue...

Gritos de dor.
Um líquido vermelho.
Escuridão.