tag:blogger.com,1999:blog-77554206100246858822024-03-05T21:03:06.905-03:00Quanto ao Tempo"Vai vivendo e se editando, mas nunca mais vai deixar seus pedaços pelo caminho."Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.comBlogger133125tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-37226568649752093672019-09-29T10:35:00.000-03:002019-09-30T20:48:19.286-03:00Fim do blogComecei a escrever no <a href="https://medium.com/@danilocsm" target="_blank">medium</a>. Mesmo nome, mas talvez os textos sejam diferentes. Não sei ainda.<br />
Provavelmente não vou mais escrever aqui, mas fica o arquivo.<br />
É o fim do blog, mas todas as coisas acabam eventualmente.<br />
E foi bom enquanto durou.Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-26651739960996799642019-08-27T22:56:00.000-03:002019-09-17T00:15:03.002-03:00Volta<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLh9skuW2UQP6EA-QicI_GZaK-b_NbnQsDUXj2bsX-ZgPWuzDAG8Io5PeSEur4hcUx1FsboADhd0WeEI_jnpYwjTYFghi1_Pf1BizYF1QtAVQygEq7-2Kyzm1VnzWH1fVoPXBWFFs-Y0c/s1600/mika.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="959" data-original-width="609" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLh9skuW2UQP6EA-QicI_GZaK-b_NbnQsDUXj2bsX-ZgPWuzDAG8Io5PeSEur4hcUx1FsboADhd0WeEI_jnpYwjTYFghi1_Pf1BizYF1QtAVQygEq7-2Kyzm1VnzWH1fVoPXBWFFs-Y0c/s320/mika.jpg" width="203" /></a></div>
<br />
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #45818e;"><b>Para Mika.</b></span></div>
<br />
Vem<br />
E me dá um abraço apertado<br />
Pra lembrarmos do amor que temos<br />
Um pelo outro, desmedido e com apreço<br />
Só me encontra em teus braços por um tempo<br />
E vem.<br />
<br />
Vai<br />
Sem medo e em frente<br />
Não esquece do amor que tu tens<br />
Gigante, afetuoso e sem fim<br />
Mas me prende em teus braços mais um pouco<br />
E vai.<br />
<br />
Volta<br />
Pra eu te dar outro abraço apertado<br />
Pois o amor completo que agora recebes<br />
Já me deste, concreto em forma de abraço<br />
Abstrato nos laços que nos envolvem<br />
Tal qual uma fita, unindo nós dois<br />
Em uma volta.Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-75816938735107357672019-07-16T20:35:00.001-03:002019-07-16T20:35:08.529-03:00Eu não esqueço<div style="text-align: justify;">
Camarada,<br />
<br />
Perdão pela demora. Mal tenho tempo para parar e não gosto mais de escrever. Escrevo pela necessidade. Não vou discursar aqui porque você sabe da importância disso, mas peço perdão e vou tentar ser mais rápido em te dar alguma resposta.<br />
<br />
Foi dolorido ler e saber o que tu passou. Eu sabia pelos outros, mas tem coisa que só quem levou porrada é que sabe. E vem uma vontade de te pedir desculpa, mas aí lembro que a culpa é toda deles. E vem raiva. E ódio. E tristeza. Mas o tempo é muito precioso pra ficar sentindo.<br />
<br />
E nada disso importa. Ela não tá mais aqui.<br />
<br />
Por muito tempo, lembrei. Fiz questão de lembrar cada traço do rosto dela, cada marca, o cabelo, o cheiro, o sorriso, a timidez dela quando eu olhava pra ela de um jeito que só a gente entendia. Depois foi dolorido demais lembrar. E <i>ainda</i> dói porque eu vejo aquela foto dela todo dia. É o que me motiva pra não esquecer dos outros. Nessa altura do campeonato, não posso achar a luta inútil, querer jogar tudo pra cima e colocar essa dor acima da dos outros porque essa agonia não é exclusividade minha.<br /><br />A dor é a herança dos pobres, camarada.<br />
<br />
Então hoje o meu refúgio não é lembrar. <i>É não esquecer</i>. Por isso que te respondo numa carta feita de papel, tinta e intenções sem saber se ela vai chegar no destinatário. Eu te escrevo porque quero que você saiba que eu luto para ter memória. Não posso esquecer quem ela era e todos os outros que também eram e não são mais. É um esforço sobre-humano registrar sem cair na desesperança, mas também é perigoso ficar esperançoso demais. Só que como há de sermos humanos sem ter expectativa que a vida vai melhorar? E que esse governo de merda vai cair, que todo mundo vai ser responsabilizado e que ela vai poder descansar em paz um dia? Penso que vai haver um dia que isso vai ser passado, mas ainda assim minhas palavras estarão lá para que ninguém se esqueça do horror que vivemos.<br />
<br />
Porra, não tem como não discursar.<br />
<br />
Mande notícias.<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
16/07/2021</div>
</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-16243818591889541262019-05-10T19:56:00.001-03:002019-05-15T18:34:07.171-03:00Eu lembro<div style="text-align: justify;">
Meu caro,</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Parei para olhar aquela foto de vocês que tanto gosto. "Parei" é modo de dizer, assim como "olhar". Não tem mais imagem pra ver e eu não paro quieto. Só paro quando chego em casa e deito a cabeça no travesseiro. Acho que "sonhei" é mais adequado, mas a língua agora é luxo e não posso me dar à reflexão. Fico deprimido. Saudoso. E saudade é um troço perigoso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não lembro de muitas fotos, mas dessa eu lembro. O teu cabelo bagunçado, o sorrisão dela, as árvores atrás, um mói de gente. Eu que tirei a foto, eu lembro da gente no parque. O mundo já começava a ruir, mas a gente não tinha se dado conta ainda. Quer dizer, ela já tinha; nós que não. Éramos dois lesados, mas ela sempre foi esperta. Guardei a foto de vocês no celular e fiquei de passar depois.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esqueci.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No dia seguinte ela já tinha sumido. Um dia inteiro sumida e ela nem tinha falado nada em casa. Você sabia que ela tinha um medo da gota de sumir. Procurou nos cantos de sempre. Um dia virou um mês. Você já tava barbudo, desgrenhado. A mãe dela já não mais vivia, era uma sombra. As fotos de vocês no <i>feed</i> do Instagram deu lugar apenas às fotos dela com o nome DESAPARECIDA embaixo. Um mês virou seis. Seis, um ano. Outras fotos e outros nomes no teu <i>feed</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Você lembrou de todos. Quem eram, quem amavam.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nesse tempo você já era considerado subversivo. Já teve que começar a dormir todo dia na casa de uma pessoa diferente. Tive medo. Achei que você ia sumir também. Você já não ia mais pra universidade, era um lugar fácil de te pegarem. Uma vez ou outra você dormia lá em casa. Era lá onde você mais ficava quieto, pois sabia que não precisava discursar nem ser símbolo de nada. Não precisava lembrar. Eu entendia a tua dor porque era a dor que eu também sentia.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando eles foram lá em casa você não tava. Meu pai tentou falar algo e levou uma coronhada na cabeça. Eu protestei e me levaram. Os uniformes verdes, as botas pretas... Mal sabia eu que aquilo ia ser meu cotidiano. Todo dia acordava, apanhava um pouco, dormia exausto e acordava de novo pra apanhar um pouco mais. Tinha um dia da semana que era pra sentar numa cadeira e levar choque. Outro dia era pra tentar ficar acordado enquanto eles jogavam água fria na sua cabeça. Eu odiava esse dia. Odiava ouvir os gritos dos outros. E odiava ter que me humilhar pra eles. Você percebe que perdeu a dignidade quando se sente feliz porque sonhou que tá morrendo. Vi muita gente chegando, mas pouca indo embora. Eu já tava certo que eles iam me matar, mas me liberaram depois de um tempo. Sete meses, disse o meu pai. Soube que você fez um cabaré aqui fora por causa da minha prisão. Eles tavam putos porque não conseguiam te pegar. Eu nunca disse nada e todo mundo lá dizia pra eu falar o que sabia. As coisas só ficaram piores depois da minha saída. Quer dizer, eu acho que ficaram piores. Meu pai arrumou pra que eu fugisse do país. Não entendo nada do que vejo na televisão, falam numa língua que mal entendo. Aparentemente as coisas aí só pioram, mas aqui eles se preocupam com o país deles.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não posso me trair na esperança de um dia encontrar meus pais, meus amigos. Ou você. Não posso esperar muita coisa porque me sinto sufocado e o olho enche de lágrima. Ocupo minha vida com o trabalho. Eu sou faxineiro de uma universidade daqui. Os alunos daqui fazem Engenharia, pagam as mesmas disciplinas de Cálculo que a gente teve. Tento me ocupar com o trabalho, mas, às vezes, sonho acordado e acabo pensando na minha família. Penso em você quando te vejo na televisão. Às vezes, penso na minha amiga que perdi. Penso no teu amor que mataram. Penso na ganância deles, na crueldade do mundo e no desperdício da vida. Da minha e da tua. Da dela. De nossos amigos. Dos que sabem. Dos que não. Sei que é desperdício porque lembro da foto que guardo na memória - que luxo ter um celular aqui! - e fico com o coração apertado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas juro que não esqueço.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
10/05/2021</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-75689339780506020212019-01-28T21:08:00.001-03:002019-01-28T21:16:05.056-03:00Cálculo<div>
Conta, éramos dois e dois</div>
<div>
Percebe o erro do cálculo?<br />
Pois hoje não somos mais pares</div>
<div>
O jogo de restar um solitário.<br />
<br />
Divide, somos um e três</div>
<div>
Percebe o erro do cálculo?</div>
<div>
Deslizam os três pelo palco</div>
<div>
O jogo de deixar um solitário.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Soma, agora são um e quatro</div>
<div>
Percebe o erro do cálculo?</div>
<div>
Pelo menos, são dois novos pares</div>
<div>
O jogo de excluir um solitário.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Subtrai, não existe mais um solitário<br />
Percebe a mentira do cálculo?<br />
Ainda existe, embora não vejam</div>
<div>
O desenlace de um novo jogo.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-22254226699859111832018-11-08T23:08:00.003-03:002018-11-08T23:08:52.617-03:00Vocação<div style="text-align: justify;">
Era cedo da manhã, umas cinco horas, e ele descia a rua com pressa. Não estava atrasado, mas andava rápido porque estava feliz e esse era um momento de celebração. Na verdade, a celebração começara uns meses antes quando saiu o resultado do vestibular. Aprovado em Direito, era uma alegria sem tamanho. Não cabia em si. Dona Maria tinha até chorado. Pela primeira vez, o choro não era como o das outras noites, da tristeza de ter perdido José. Era um choro de liberdade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ele descia a rua e pensava em como o futuro prometia. O que José teria dito se visse seu irmão indo pro primeiro dia de aula na faculdade? "Cabeça erguida, boy", a voz dele ainda era nítida na memória. "Não deixe que eles te pisem, cabeça erguida". A mãe ainda chorava todas as noites antes de dormir, ele ouvia tudo. Privacidade não existe num barraco. Ela pedia a Deus que José guardasse seu outro menino, mas Emanuel não acreditava. José não era estrela, não era anjo. Só havia sido e não era mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />Emanuel agora subia a ladeira que levava ao ponto de ônibus e pensou em como tinha sido difícil. Muito esforço, claro, mas muita ajuda também. Tinha vinte e cinco anos e sempre estudou muito. Apesar disso, nunca era suficiente: saía muito atrás dos concorrentes. "Ah, é só se esforçar", diziam. "Mais?", respondia, exasperado. Aquele cursinho gratuito que o governo abriu perto do trabalho ajudou pra caramba, isso sim. Todo dia deixava o sorriso de vendedor da loja de sapatos pra trás e encarava sério os livros. Sabia de sua vocação desde muito cedo porque achava o mundo muito errado. Queria mudar o mundo; os outros riam de sua ingenuidade, mas já estava acostumado com a risada dos outros.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />Lembrou-se do dia que estava na quarta série e se deparou com os colegas rindo de algo. Aproximou-se para ver o motivo de tanta risada. Estremeceu quando viu o que estava escrito. Não entendia bem, mas sabia que aquilo machucava. Uns dias antes, a professora pediu pra todos escreverem num pedaço de papel o nome e colocarem o que queriam ser da vida. Depois, juntou todos e colou numa cartolina e deixou à mostra de todos, em cima do quadro-negro. "É pra vocês sempre se lembrarem que vocês podem ser tudo o que quiserem". Ela era doce, mas ele não lembrava o nome dela. Pois bem, um dos colegas havia colado por cima do que Emanuel havia escrito. O resultado: "Emanuel é um macaco sujo". Estremeceu novamente só de lembrar. Nesse dia, ele foi pra casa com o coração miúdo, pequeno mesmo. A mãe ainda não havia chegado do trabalho, levava duas horas da casa da patroa pra chegar ali no morro. Ele sabia que não podia dizer aquilo à mãe, que já sofria demais com as coisas de José. O irmão viu Emanuel chegando e percebeu algo errado só de olhar pra ele.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Que foi?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Nada não... - os olhos cheios d'água mentiam.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Diz logo, Emanuel, deixe de coisa.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Contou a história. Viu o rosto de José ir de uma fúria avassaladora a uma compreensão que só os pretos sabem que têm. É o olhar de quem sabe o peso de ser. José então disse, imponente:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Emanuel, levante sua cabeça. Cabeça erguida, boy.<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E disse algo em seu ouvido. Emanuel olhou pro irmão com dúvida. José apenas assentiu com a cabeça.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No outro dia, Emanuel chegou na escola e foi direto falar com os colegas. Perguntou quem tinha feito aquilo. Um se acusou, confiante, era um moleque branco que não lembrava o nome. Aproximou-se dele e lhe desferiu um soco no rosto. Não disse nada, apenas saiu andando. Esperou que alguém o chamasse na diretoria, mas nunca veio o convite. Também nunca mais ninguém o chamou de macaco.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A ladeira parecia maior do que os outros dias, mas na verdade Emanuel só andava mais devagar. Era tempo de sobra pra chegar no trabalho, então pôs-se a pensar no passado. Lembrou do dia da morte de José. Um dos amigos dele tinha vindo na porta de casa dizer que os polícia tinham matado o irmão. Dona Maria saiu correndo doida, mas quando chegou só tinha um corpo estirado. Enterrou o filho, mas continuou sofrendo ao ver o noticiário matando ele uns dias mais. Era a mãe do traficantezinho, do drogado. Nunca parou de chorar pelo filho, mas o sofrimento dela foi diminuindo um pouco. Tinha que viver pelo outro filho e Emanuel era muito jovem ainda, era sete anos mais novo que José. Lembrou-se do dia em que estava almoçando pra ir pro colégio - já tava no ensino médio, uns quatro anos da morte do irmão - e a mãe disse do nada:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Ele vendia droga mesmo, Emanuel.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Eu sei, mãe... - o rosto dele continuou no prato de feijão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Mas ele não merecia ter morrido daquele jeito.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Emanuel ficou calado. Então, ela segurou a mão dele e disse com peso na voz:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Você nunca vai seguir esse caminho. Promete pra mim.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ele prometeu. E cumpriu. Terminou os estudos e arrumou logo um serviço. Houve um tempo que viu as coisas faltando em casa e pensou, pensou, pensou, mas sempre lembrava da promessa. Toda vez que levava um escracho da polícia por estar andando na rua, lembrava. Quando alguém não queria sentar no seu lado no ônibus, lembrava. Não daria aquele gosto pra eles de ser o preto favelado traficante. Seria advogado, seria bem-sucedido, faria tudo direito. Era esta sua vocação, afinal.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Aproximava-se da parada de ônibus, bastava virar a esquina que chegava ao seu primeiro destino. Quando estava virando, um rapaz passou correndo e esbarrou nele. Emanuel pediu desculpas, mas só registrou o olhar de pânico. Era um menino, tinha uns 14 anos, provavelmente. O garoto continuou correndo, desesperado, e não olhou para trás. Quando Emanuel foi pegar sua pasta que derrubara no chão, deparou-se com um policial que apontava sua arma pra ele. A reação dele foi levantar os braços. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O tiro o acertou em cheio no peito.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />Emanuel caiu no chão e a blusa amarela - aquela blusa que sua mãe tinha lhe dado no Natal - se encheu de vermelho. Ouviu uns gritos, o policial que o acertara soltou um palavrão e parecia nervoso. Emanuel só pensava que não queria morrer. Que não era justo. Viu outro policial se aproximando. Dali do chão, todos pareciam gigantes.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Capitão, eu me enganei... - o policial tinha voz de fuinha.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Nem tanto, esse é até parecido com o ladrãozinho lá. - a voz do outro era fria.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- E agora? O que a gente faz? - o policial estava em pânico.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Pega a arma que o outro deixou cair e coloca na mão desse. Liga pra ambulância depois, esse já era.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
"Eu ainda sou", Emanuel pensou. Não queria dar o gosto de morrer ali, mas sentiu muito frio de repente. Pensou na mãe e sabia que ela iria sofrer. A certeza da morte se aproximava e Emanuel sentiu desgosto. Provavelmente, a mãe morreria disso. Não, ele <i>sabia </i>que sim. A morte lhe dava uma certa clarividência. Esperou que a vida lhe passasse diante dos olhos, mas isso o momento não providenciou. Pensou no irmão com nome de santo, mas sabia que nunca mais o veria. Sentiu uma grande solidão e quis chorar, mas não veio lágrima. A única coisa que saía em profusão era o líquido vermelho do seu peito. Ah, a terrível metáfora da redenção que cumpria em si mesmo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Agora, a dor era lancinante. Emanuel lutava, lutava mais do que das outras vezes. Só que chega aquele ponto em que a morte se impõe. A certeza do final começava a pairar no ar. Um monte de gente havia se aglomerado e ele lamentou ser o centro desse espetáculo. Pensou que não mudaria o mundo e que isso era um grande desperdício. Foi então que, além da clarividência, o momento lhe concedeu iluminação e percebeu o engano que havia cometido. Percebera finalmente sua verdadeira vocação e aquilo foi manifesto em uma palavra que nenhum dos transeuntes entendeu:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Estatística.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-37698163353192236572017-06-01T00:02:00.000-03:002017-06-12T01:22:35.968-03:00Tua carta<div style="text-align: justify;">
Olá,<br />
<br />
Sei que isso vai chegar com atraso e talvez você nem leia. Apesar disso, sinto que devo escrever. Existem coisas que pairam no ar, soltas, e a gente espera que elas surjam, mas o tempo nunca é generoso. O tempo pode ser muitas coisas, mas certamente não é generoso. Espero que você entenda que escrevo por necessidade e não por apego. Talvez tenha um pouco de vaidade, mas toda vaidade há de ser perdoada diante do que é necessário.<br />
<br />
Será tarde quando você receber essa carta, mas eu ainda sofro por não ser urgente. Essa pressa tão presente nos outros é uma das coisas que me faz falta e, às vezes, acho que devia desejar isso, mas também percebo que o mundo todo anda descontroladamente muito rápido. Além disso, a urgência exige que eu seja ansioso e você já viu o resultado disso. É catastrófico. Então, que eu seja descansado e te escreva em tempo inoportuno porque o contrário disso é perda e já perdi muito em pouco tempo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pode ser que você pense que eu esteja ressentido. Não estou. Se eu escrevo sobre sentimentos, a mágoa não é um deles. Se eu te envio uma carta - que, por sinal, nem chega a ser uma carta já que não há tinta, lápis ou papel, mas sim a intenção e aí me pergunto se as cartas são um amontoado de intenções dispostas em palavras mal organizadas -, é porque penso que nós sobrevivemos ao rancor e podemos ouvir. Eu sempre me ouvi, mas será que você me acompanhou nisso? Eu me escuto muito bem e sei que sou inadequado, mas sei também que não sou cruel.<br />
<br />
Esse é um fardo que não carrego.<br />
<br />
Pois bem, escrevo porque o tempo é propício, mas também para falar que senti e ainda sinto. Senti muito em pouco tempo e não sei direito o que era. Sou bom com as palavras, mas não sou bom com os sentimentos. Tudo que sinto é desorganizado, inconveniente, e se concentra num conjunto misto de ternura e respeito. Ao contrário de mim, o sentimento que você tinha era calculado. Era exato, específico e racional. Compartimentado. O que eu tinha larga escala, você mantinha reduzido. E também percebo que eu era um na multidão dos seus amores, enquanto você era a multidão de todo o amor que sentia. E sinto muito por você, mas não por ter sentido tanto.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Sinceramente,<br />
<br />
Adeus.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-37034682732743213232017-04-14T16:14:00.000-03:002019-09-17T00:16:47.291-03:00Leve<div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKXeGsShDdo9vKmq06HK6Bvjnt4AuYjYS5Xb7UbOpQ7_3rAsFZRV7i8ISzWFS2qQPHuQUemX0B6wHhJcs7og9I34fz12eNpCy601QLnXfV0Mo23a3YeU8kTa65LEkP_139ZN5fTjBRnkc/s1600/2014-12-25+00.31.29.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKXeGsShDdo9vKmq06HK6Bvjnt4AuYjYS5Xb7UbOpQ7_3rAsFZRV7i8ISzWFS2qQPHuQUemX0B6wHhJcs7og9I34fz12eNpCy601QLnXfV0Mo23a3YeU8kTa65LEkP_139ZN5fTjBRnkc/s1600/2014-12-25+00.31.29.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b><span style="color: #45818e;"><i>Para Ellen, pelo dia dela.</i></span></b></div>
</div>
<div>
<br /></div>
Todo amor que conheço é pesado<br />
<div>
Pois mede-se, divide-se e concentra-se</div>
<div>
E espera concessão e sacrifício.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Todo amor que conheço é fardo</div>
<div>
Pois escolhe e junta e levanta e se deixa levar</div>
<div>
E requer força e cansaço.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Mas te conheci e percebo</div>
<div>
Que tudo que vi era simulacro</div>
<div>
De algo que não pode ser fardo</div>
<div>
Porque amor não deve ser carregado.<br />
<br />
Peço perdão, mas ainda entendo que amor de verdade é pesado</div>
<div>
Igual ao teu: em peso de ouro, dividido por todos os lados</div>
<div>
Porque não cabes em ti, precisas te dividir e ser para os outros</div>
<div>
O que és para mim: amor imensurável, espalhado e nada pesado.</div>
<div>
<br />
Pois teu amor é leve, sentido e apreciado<br />
Embora eu seja ingrato, agora declaro</div>
<div>
Que o amor que sinto por ti é igual o teu por mim:<br />
- Sem fardo, sem tamanho, sem fim.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-35301808845389887592017-01-18T23:00:00.000-03:002017-02-11T01:40:29.619-03:00Aula de Matemática<div style="text-align: justify;">
Os professores me olhavam com aquele olhar que sempre têm quando encontram algum que se salve no meio dos imprestáveis e eu sentia o peso desse orgulho sobre os meus ombros. Para alguém tímido como eu, era um fardo e tanto. Talvez seja por isso que até hoje eu ande curvado, mas admito que sobraram poucos resquícios daquela genialidade que faziam os meus professores exclamarem surpresos um "muito bem!". Até quando havia algum silêncio após eu fazer alguma observação, não era <i>aquele</i> reservado aos alunos mais esforçados, aquela mudez incomodada cortada por alguma vogal alongada, normalmente um "eeeeé" constrangido de corrigir o ato de sacrifício oferecido. Não, esse não era o silêncio que me era dirigido, era um silêncio profundo de reconhecimento porque em mim não havia esforço. Havia facilidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Lembro-me que era o início da quinta série, pois haviam seus ritos de passagem absolutos: novos professores (o plural era uma expectativa desde o fim do ano anterior), novas matérias e talvez novos colegas. Não que eu ligasse para eles, pois sabia que a minha indiferença lhes causava rancor. Ah, esse era um tempo em que eu podia me dar o luxo de ser indiferente, sentimento esse que me é tão caro de manter hoje, pois expresso tudo que sinto, embora nem saiba sentir direito. Mas sei que sinto e sinto muito. Ao contrário dos colegas de sala que se divertiam e se entendiam, eu era um recluso à volta com os meus livros. As tentativas de me incluir nos grupos falhavam miseravelmente, então eram eles e eu.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Lá estava eu sentado na primeira fila (a justificativa sempre foi a miopia agressiva, mas eu sabia que o orgulho era o motivo verdadeiro), esperando a temida aula de matemática. Sempre tratei os números com reverência, mas confesso que nunca vi muito sentido em decorar tabuadas ou entender o que estava contido e quem continha o quê naqueles conjuntos. Pois bem, o tal professor entrou, se apresentou de forma amigável e começou a explicar o que seria tratado naquele ano. Dentro daquela conversa burocrática de educador que já deu umas mil aulas, ele lançou uma pergunta:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Vocês conhecem os números naturais, certo?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
"Que tédio", pensei. Algumas pessoas esboçaram um sim pouco convincente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- E os inteiros?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O silêncio pesou. Não tive tempo de ruminar uma resposta quando veio aquela frase que seria a minha maldição durante todo aquele ano:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Não dê nenhuma dica, Severino.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Olhei para trás em pânico. <i>Quem diabo era Severino?</i> Alguns rostos eu conhecia do ano anterior e, embora eu não conhecesse todos, no instante que me virei eu soube quem ele era e, mais importante, <i>o que ele era.</i> Usava a farda azul ordinária como um uniforme de guerra e havia algo nele que o diferenciava de nós - Deus, quando <i>eu</i> virei <i>nós?</i> -, e não era a roupa em si, mas como ela <i>não </i>o usava. Instintivamente, tentei me cobrir da nudez que ele me expunha. O seu olhar acusava que o rei estava nu. E o seu sorriso franco exibia aquela palavra desagradável que ele vestia com uma honra quase solene:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Repetente.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O pânico se transformou em desespero. Esquadrinhei minha mente em busca de uma resposta para o enigma matemático, mas a minha ignorância estava tão evidente que as palavras pareciam sair da minha boca como mingau ralo. Balbuciei respostas que sabia serem estúpidas na expectativa de acertar, mas foi em vão. O professor foi polido, mas aquele silêncio que eu mais temia, o que era reservado aos esforçados, preencheu a sala e veio sentar ao meu lado, acusador e palpável.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No entanto, o silêncio não se comparava àquela certeza que eu via no olhar de Severino. Ah como invejei aquela certeza da resposta correta. Eu era tão jovem que não havia aventado a possibilidade dele saber apenas um pedaço daquilo ou sequer saber, mas eu estava tão faminto de certeza que comeria tudo e ainda lamberia os dedos. E tenho vergonha em dizer que nunca me senti tão faminto quanto naquela hora; nem antes, nem depois. Hoje só sinto o vazio de quem escreve porque não sabe sentir de forma certa. Não há fome, sede ou vontade. Apenas o vazio de um amontoado de sentimentos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O professor finalmente revelou o segredo daqueles números negativos - e como odiei aquele professor por não me poupar da ignorância -, mas isso era irrelevante. Agora que estava patente a minha estupidez, eu me perguntava se o único caminho era o dos outros. Sempre admirei a capacidade de autoimolação, mas perceba... Nunca fui dado às concessões. Comprometer-se era um desafio que exigia uma certa dose de entrega e eu fugia desse caminho porque entendia que o reino <i>vinha</i>, não que se <i>ia</i> ao encontro dele. Eu era apressado, pois achava que o mundo fora feito em sete dias. Mal sabia eu que havia inventado o Criador.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A certeza de Severino exibia o meu engano. Durante o resto do ano, tentei cobrir as minhas bases: passava horas diante dos livros, estudava noites à fio, continuava a impressionar os professores com o meu conhecimento. Mas o que antes era dádiva, agora soava artificial. Eu queria o saber de Severino mais que tudo. A aberração de ser um repetente me atraía como uma mariposa para a lâmpada. Era perigoso e inalcançável, mas <i>como </i>eu queria aquilo. A cada resposta certa que dava, Severino me matava. E, Deus, como ele era displicente. Nunca aprendi a ser casual e essa mágoa me impele a escrever para disfarçar como sou inadequado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Às vezes, me pergunto por onde anda o meu algoz do quinto ano. Imagino que casado... Casado não, já se divorciou e hoje vive com outra mulher. Tem filhos, mas não os visita mais. Vive de consertar carros porque não aguenta não ter controle de sua própria displicência. Anseia por uma vida pacata, onde não tenha mais que trabalhar e possa beber uma cervejinha nos fins de semana. Eu, por outro lado, me exaspero na angústia de ter uma vida comum - peço perdão por continuar falando de como expresso o que muito mal sinto, mas juro que esse bloco único de agonia está perto do fim -, mas também acredito que Severino anseia pela minha vida solitária.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ultrapassei o <i>repetente</i> por volta do final do segundo bimestre. O esforço não era apenas meu: ele também não se esforçava em tentar melhorar, já que não ligava se iria passar de ano ou não. Estava sempre ocupado em fazer gracinhas para seus companheiros rirem. Também fui mudando e comecei a ter amigos na sala, e o próprio Severino era um deles. Nunca riu de mim e sempre me respeitou, mas seu olhar era inequívoco. O olhar altivo de quem me ensinou a ser humilde à fina força porque, veja bem, eu não tive escolha.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-6615096448322047192016-11-26T00:17:00.000-03:002016-11-26T19:36:12.963-03:00As ruínas daquela casa<div style="text-align: justify;">
Todos os dias passava na frente daquela casa, a caminho do colégio. Quase sempre cantando alguma música boba que improvisava ou inventando um jogo onde só podia andar pela sombra porque o sol era tóxico e me mataria em cinco segundos - coisas de menino que hoje não posso mais fazer, pois a gente cresce e percebe que os outros estão olhando, então passa a apenas pensar em fazer ou simplesmente faz escondido. Ia caminhando pela calçada com aquela ordinária farda azul. Ela era o símbolo máximo de que eu fazia parte daquela instituição e, por isso, era motivo de orgulho, mas também mostrava a fraqueza de ser um pré-adolescente que transpirava demais e deixava o lugar debaixo dos braços amarelado, o que me causava um ódio profundo, pois contrastava de forma gritante com aquele azul-claro da camisa. E a tal farda azul devia durar o ano inteiro, "pois era cara e não tinha necessidade de ter mais de uma", dizia a minha mãe. Então eu tinha que conviver com aquele sentimento duplo de orgulho e vergonha, sem saber que isso era uma preparação necessária para a vida adulta.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Voltando a falar da casa, admito que não lembro direito do aspecto dela. Lembro do muro verde, do pequeno portão marrom e que havia alguns vasos de plantas parecidos com os da minha avó. Também me lembro que, no início do quinto ano, surgiu um cachorro preto que sempre latia quando eu passava, mas que com o tempo se acostumou e começou a abanar o rabo animadamente ao me ver. Claro que, no início do próximo ano, o cão me estranhava novamente, mas eu era paciente e fazia festa até que ele voltasse a se acostumar. Mas o que me intrigava mesmo era nunca ver os donos daquela casa. Seria uma casa fantasma se não fosse o tal cachorro preto e as plantas que, embora não fossem tão bem cuidadas quanto às da minha avó, continuavam a crescer. Eu costumava imaginar como seriam os donos: era um casal jovem, que não tinha filhos (por isso o cachorro) e que vivia ali graças a uma herança de um parente distante. O homem era advogado, branco, barbudo, bem-vestido e estava sempre com muita pressa. "Não vou tomar café porque vou passar no fórum hoje", era a frase que costumava sair de sua boca. O outro homem era negro, trabalhava como professor e era falante, trabalhava os três turnos (como a minha mãe) e regava as plantas nos fins de semana. Os dois gostavam bastante de ficarem de mãos dadas ao ar livre, mas não ficavam na frente de casa porque não podiam - eu não sabia o porquê de pensar assim, só imaginava que eles não podiam - e porque a vida era muito cheia de trabalho.<br />
<br />
Cresci e tive que mudar de colégio. Passei a ir por um caminho oposto ao daquela casa e parei de prestar atenção nela. Às vezes, passava de ônibus na frente e de tempos em tempos dava uma olhada rápida. Nunca mais vi o cachorro preto. Parei de pensar em seus donos. Agora passo todo dia na frente daquela casa, mas nunca reparei como ela está. Qual foi a minha surpresa ao olhar hoje e constatar que não havia mais pintura nas paredes ou plantas verdes em vasos. Não havia sequer um portão. Aquela casa hoje não é sequer uma casa; não passa de um terreno abandonado com algumas paredes pichadas com mato crescendo por todos os lados. Hoje olhei para aquela casa e pensei em como ela chegou àquela condição. Será que aquele casal foi brigando até o ponto em que não queriam mais ficar de mãos dadas e aí decidiram (como meus pais decidiram) se separar? E com quem teria ficado o cachorro preto? Será que por não haver cão de guarda a casa se deteriorou? E por que eu parei de olhar para aquele lugar? Será que isso significa que quando a gente vai envelhecendo também para de se importar? Meu Deus, e eu envelheci <i>tanto </i>assim? São perguntas que continuarão navegando por aí e nunca chegarão a um porto. Sei disso. Mas também sei que aquela casa - com suas paredes descascadas, grades enferrujadas e erva daninha que não para de crescer - não é nada além da evidência de minha própria ruína.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-50017315026520667162016-10-17T22:30:00.002-03:002016-10-17T22:55:05.611-03:00Segredo<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaQ3v52QWvvTYP7LjS8QmB8jciBndmuOHGDSbYSp4DzMWL-1nIcDeVM9KRyJLTeLxe52eICyKwpr8bavSCPMw9niU97_dhHIoL3KDN_iww34v1W7bSOoxiIfyJkVXHmXdMxLVyiHA4Q8A/s1600/alone-764926_960_720.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaQ3v52QWvvTYP7LjS8QmB8jciBndmuOHGDSbYSp4DzMWL-1nIcDeVM9KRyJLTeLxe52eICyKwpr8bavSCPMw9niU97_dhHIoL3KDN_iww34v1W7bSOoxiIfyJkVXHmXdMxLVyiHA4Q8A/s400/alone-764926_960_720.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
Ele olha pela janela do ônibus pela força do hábito. Está de frente pros outros passageiros, mas reconhece que o seu olhar deve estar lá fora. Ou no chão. Sem interesse, vê as árvores que obedecem o ritmo que o coletivo impõe: parada sim, acenam para os passageiros; parada não, há o silêncio das folhas mortas. Parece seguir, mas está ali parado naquele mundo que não permite o seu olhar. Indesejado; não há quem queira. Como algo que está na sala e todos evitam ver porque é incômodo demais, mas está ali presente. Então, para todo problema há uma solução e a resposta está oculta, assim como o sujeito deste conto.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ser um segredo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Que seja escondido do mundo, pois aquilo que não é belo não pode ser posto em exibição. E quem esconde coisas belas do público? E não há quem queira guardar <b><i>este </i></b>segredo para si. Ele entende porque já arriscou olhar para o mundo e soube quem era. O rosto dos outros se funde num misto de decepção e nojo e angústia e constrangimento e eu já falei nojo? Porque quem se agrada de ser alvo de desejo do indesejável? Então, que se esconda por trás de mil chaves e milhões de cadeados. Que se enterre por baixo de estantes e palavras. Que abrace o seu destino e ponha o seu olhar no chão. Porque o chão, a árvore, a pedra fria não vão lhe dizer que sua pele é escura demais, ou que o corpo é magro demais, ou que os dentes são tortos demais. E me perdoem os incautos que escondem coisas boas: elas não são. Se fossem, não seriam escondidas. Então, ele se oblitera em mil pedaços, pedindo perdão por arriscar um olhar ou outro - todos temos nossos momentos de fraqueza - e sabendo do seu lugar. Sabendo que todo segredo é uma vergonha. E a dele é ser.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-53290242311504433672016-08-31T00:58:00.001-03:002016-08-31T00:58:53.127-03:00O tal coração<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQfseT3jl8KR7CL9Im-RTbjLKkXs6HmSH9irvSK3HZ8ZrM2rtfa8qSZX_7CzL7DvAiaGVMQ_3LCT8t6LDERypC43PjkIJxkKnDURoX0LDrpaCtnGnT_08ZS4_2xgEKAV3MJxDHnbxeQZ4/s1600/Kousen_Bleach_v30_c268_p12.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQfseT3jl8KR7CL9Im-RTbjLKkXs6HmSH9irvSK3HZ8ZrM2rtfa8qSZX_7CzL7DvAiaGVMQ_3LCT8t6LDERypC43PjkIJxkKnDURoX0LDrpaCtnGnT_08ZS4_2xgEKAV3MJxDHnbxeQZ4/s400/Kousen_Bleach_v30_c268_p12.jpg" width="271" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
O início é sempre mais difícil. Como se começa algo que não vai terminar do jeito que queríamos? Bom, eu não queria. Eu não planejava que as coisas acontecessem dessa forma. Como as coisas chegaram a esse ponto? Não é tudo tão cruel, tão desesperador... tão humano?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu não queria ter que escrever pra poder me salvar. Porque era ele que segurava minhas pontas. Ele que me ajudava a ver todos os lados dos problemas e me dava equilíbrio. Eu me surpreendia com a maturidade dele. "Era como destruir o pouco que eu tinha construído pra começar de novo", disse-me uma vez como se fosse nada. Falando nisso, ele sabia começar e recomeçar e começar de novo porque era teimoso. Teimava em ter esperança. Queria vencer. E eu amava isso nele.<br />
<br />
<i>Amava. </i>O tempo nunca foi tão cruel quanto o passado. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu poderia encher esse texto de perguntas, mas elas não teriam resposta. As reticências imperam e sei que o tempo sanará algumas dúvidas. Por enquanto, estou inconformado em esperar. <i>Inconformado</i>; você leu certo. É tão injusto que eu não possa mais vê-lo, rir com ele, ouvir aquela voz grave que me enchia de alegria...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não é justo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas é justo que ele tenha sido amado e tenha amado ainda mais. Ele guardava as coisas para si, mas nós sabíamos. Não precisávamos dizer o que estava implícito. Se Kubo teorizou o que é o tal coração, João me ensinou na prática. É algo que nós vamos criando com o tempo, com cumplicidade e graças ao outro. Feito com as besteiras e com as coisas sérias. Com o nosso jeito de ser. Está fora de nós e, ao mesmo tempo, dentro de cada um. E ninguém pode tirá-lo de nós. Graças aos laços que tínhamos, o tal coração jamais deixará de existir. Está aqui e sempre estará.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Então, estendo a mão e me <span id="goog_630904021"></span>despeço<span id="goog_630904022"></span>:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Obrigado, João. Por ser um irmão. Por ter mudado o meu mundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #45818e;"><i><b>E porque o tal coração só é possível por causa de você.</b></i></span></div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-13468153189859443412016-07-19T20:34:00.000-03:002016-07-19T20:34:43.042-03:00Coletivo<div style="text-align: justify;">
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engano. Sempre cheio esse das sete horas. Um homem fala que o motorista está
atrasado mais uma vez. Alguém fala que a culpa é do prefeito, outros dizem que
são dos empresários. Vou na porta porque não tem lugar. Rotina. Dona Maria
segura a minha mochila e eu agradeço. O homem ainda reclama do atraso do
motorista, que ignora a provocação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Seguimos. Na outra parada, sobe uma moça bonita. Distraída, fones no
ouvido. Os homens olham e ela se retrai. Dona Maria solta um muxoxo de desaprovo.
“Muita pouca vergonha, parece que nunca nem viram mulher...”, ela olha pra
mim e busca aprovação. Assinto, envergonhado, porque eu também olhei. De canto
de olho, mas olhei. Cúmplice da cobiça, serei condenado?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O ônibus de vez em quando para e mais pecadores vão subindo. Existem os
que bocejam e exalam preguiça. Cheios das nove horas, os vaidosos se olham no
reflexo da janela e se arrumam. Pessoas descem do transporte e alguns correm
para se sentar, pensando apenas em si. Com quantos pecados se faz uma pessoa? A
dúvida pulula na minha mente e nem notei que dona Maria vai descer. Pego a
minha mochila e sento. E penso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Estamos todos pagando nossos pecados. Essa é a absolvição de andar no
transporte público: lá fora somos independentes, mas aqui estamos aglutinados.
Forçados a conviver, a expor nossa limitação e as nossas loucuras mais íntimas.
O homem ainda fala do motorista que atrasou e eu penso se Deus escuta as nossas
preces coletivas. Pago o alto dízimo - “essa passagem tá muito cara!”, reclamam
-, então me reservo ao direito de ser atendido.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não encontro mais a moça. Terá
descido? Espero que ainda volte a vê-la... O devaneio da luxúria é o motivo de
eu estar aqui hoje. Bem-aventurados os que andam de carro, pois eles serão
consolados. Aos pobres, não resta esperança. Só a resignação, a espera, a
angústia e precisa esperar de novo porque pobre morre em fila esperando. O
homem desce xingando o motorista e eu reflito se acredito em Deus.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O meu destino se aproxima e sinto um vazio. Minha missa dura mais de uma
hora e já rezei demais. É tempo de deixar o ônibus para trás, de abandonar essa
congregação de ovelhas perdidas que buscam remissão dos seus crimes. Fico para
escutar os últimos acordes do hino de despedida. A catraca gira, a porta abre,
a mulher grávida entra e os velhos ficam em pé. Perdoem os passageiros pela
insensibilidade: eles não sabem o que fazem. Seguem juntos, amontoados, dentro
do coletivo. Ônibus que é coletivo de humano.
</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-14248791417657563692015-11-12T23:27:00.000-03:002015-11-12T23:46:52.137-03:00Espera<div style="text-align: justify;">
Espera, eu vou escrever sobre nós. Eu vou descrever teu cheiro, teu gosto, teu jeito, teu modo de sorrir. A tua paciência. O teu modo de falar coisas sobre nós que o mundo não consegue decifrar. Também vou falar como sou melhor quando estou com você. Eventualmente, vamos brigar, mas relevamos, afinal nosso amor é tão puro, tão doce, tão suave. Tão no início. No início, tudo é suave, tudo é doce, puro... Eterno... Vamos ao parque, ao cinema, eu não te conheço e rio das coisas bobas e desajeitadas que tu fala. E você aprende que eu sou seco, mas que me abro aos poucos. Eu te apresento os meus amigos e eles te acham engraçado. O teu cheiro já está na minha roupa de cama e tua escova de dentes já está no armário do banheiro. Não conversamos mais como antes porque você tem que sair cedo pro trabalho e eu tenho que pensar nas coisas que tenho pra fazer, se vai dar tempo de passar no mercado antes de ir pra aula e ainda tem estágio e tô vendo o tempo do ônibus e tô achando que não vai dar tempo não, hein? Daí as brigas aumentam, tua paciência diminui, a minha aumenta e nós vamos nos conhecendo mais. O teu beijo ainda é doce, o teu toque ainda é suave, mas nós nos acostumamos a não falar mais das coisas indecifráveis porque elas estão lá, nítidas, e todos já veem quem somos e o que gostamos. Que gostamos um do outro. E isso é o que importa, não é mesmo? Eu penso que sim, mas não sei o que você pensa e isso me dá um medo danado porque eu te amo. Sim, amor devia ser suficiente. Só que as brigas ficaram mais frequentes e eu também não sou lá um poço de paciência. Veja bem, eu tento te ouvir, mas não dá certo quando só você quer falar. Fala baixo que nossos amigos podem ouvir. Tá bom, escuto, desculpa, pronto, tá acabado. E aí vou tentando consertar os erros, tentando melhorar, mas que porra, você não vê? Tá certo, então vai. Vai embora. Duvido que vá. E você fica porque já se acostumou e já faz alguns anos que estamos juntos. O amor ainda está lá, mas vai se perdendo. E eu sei que está perdido porque eu estou escrevendo um bloco único de agonia e desespero na esperança que você fique. Já nem brigamos. Não nos falamos. Espera, não vai. De repente, não existe mais nós, só eu e você, e já nem sabemos como é ser sem o outro. Só que numa tarde você junta suas coisas e, antes que eu pudesse falar qualquer coisa, você já foi. E eu não disse nada porque vou te escrever uma carta que deve ser lida num fôlego só. Ela vai ser doce, suave, intensa e deprimente. Espera, eu vou escrever.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-63989419675249457752015-10-19T21:47:00.000-03:002015-10-19T22:54:40.388-03:00SombrasNão passo um dia sem lembrar<br />
Daquelas velhas e frágeis árvores<br />
Que lançam suas sombras aos indecisos<br />
E oferecem um refúgio do escaldante sol<br />
Mas que escondem segredos<br />
Que machucam<br />
<br />
Não que eu guarde qualquer ressentimento<br />
Mas desejo com intensidade e força necessárias <br />
Que as belas e imaculadas flores, tal qual seus frutos,<br />
Apodreçam, sem gerar sementes<br />
Pois alimentam os néscios<br />
Que escondem segredos<br />
Que machucam<br />
<br />
Ora, neste mundo, não existe amor, amar ou ser amado<br />
Pessimista? Não pra alguém que se entregou inteiro<br />
E se viu catando os próprios pedaços<br />
Debaixo das frondosas árvores<br />
Que lançam suas sombras<br />
Com seus segredos<br />
Que machucam (machucam, não é mesmo?)<br />
E matam. Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-5855694988971324922015-08-25T17:30:00.001-03:002015-08-25T17:34:32.396-03:00Confissão<div style="text-align: justify;">
Perdoe-me, padre, porque eu pequei. Sim, não faz tanto tempo desde a última vez que vim, mas sinto que preciso vir toda semana. Já virou costume nas sextas... Enfim, eu tenho roubado. Não, padre, eu nunca precisei roubar nem um centavo na minha vida inteira. Graças a Deus. Ando roubando o direito dos outros. Tô dizendo por aí que os ímpios não têm o mesmo direito que eu, um filho de Deus. Eu sei, padre. Mas eu tô certo, ué. Vai dizer que é certo que esse povo tenha o mesmo direito da gente? Sim, a gente, o senhor também tá nessa. Eu sei, padre. Desculpe. Ah, também ando matando. Sabe aquela puta... Perdão, padre, foi impulso. Sabe aquela <i>mulher</i> que o marido matou de tanto espancar? Eu fui o culpado. Não, padre, eu nunca vi aquela mulher na minha vida. Só que eu vivo dizendo por aí que mulher deve ser submissa, então eu sei que eu a matei. Graças a Deus, minha mulher é submissa. Deus me livre ter que corrigir minha esposa, ainda bem que ela é uma boa serva de Deus. Também fui culpado da morte daquele veadinho da semana passada e pelo filho maconheiro da irmã Solange ter sido preso - coitada, uma irmã tão boa ter um filho marginal daquele. Agora, todo mundo chama maconheiro de usuário. Usuário que vá pro inferno! Perdão, padre. É que ando cansado de destruir tantas vidas. Odiar é uma coisa muito desgastante. Meus filhos têm medo de mim. Às vezes, vejo o diabo nos filhos dos outros. O senhor sabe que ele veio pra roubar, matar e destruir? Mas não nos meus filhos. Eu sei que meus filhos são bons. Eu os criei certo, não criei? Sim, padre, pode perguntar. Amor, padre? Pelo amor de Deus. Só vim em busca de absolvição. Tá certo, padre. Vou rezar cinquenta ave-marias e trinta pai-nossos. Mas não, padre. Não vou parar. Até à próxima sexta.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-90035098168345250152015-05-21T02:05:00.002-03:002015-05-21T02:35:19.990-03:00O ressoar dos sinos<div style="text-align: justify;">
Corre, escuta o ressoar dos sinos:</div>
<div style="text-align: justify;">
- Salvem-se todos, salvem-se...</div>
<div style="text-align: justify;">
E na insana dança dos meninos,</div>
<div style="text-align: justify;">
O som gélido de destruição e morte.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Corre, atenta ao ressoar dos sinos:</div>
<div style="text-align: justify;">
- Salvam-se poucos, salvam-se...</div>
<div style="text-align: justify;">
Ora, são gestos abruptos e ferinos</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas fingem que há quem se importe.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Corre, examina o ressoar dos sinos:</div>
<div style="text-align: justify;">
- Salvam-se loucos, salvam-se...</div>
<div style="text-align: justify;">
Pois se apoiam em laços muito finos</div>
<div style="text-align: justify;">
Que não sustentam nem o próprio porte.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para, quem corre agora é o ressoar dos sinos:</div>
<div style="text-align: justify;">
- Salve-se, salve-se, salve-se, salve-se...</div>
<div style="text-align: justify;">
O tempo dobra, o olhar não volta, é desatino!</div>
<div style="text-align: justify;">
E abandona todos, poucos, loucos à própria sorte.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-32056699207438354872015-04-27T23:18:00.000-03:002017-04-27T22:35:21.630-03:00Tépido<div style="text-align: justify;">
O gosto ruim subia à boca de quando em quando, mas agora era mais insuportável do que nunca. Pôs a mão na garganta, numa tentativa inútil de suprimir a ânsia que ganhava força a cada inspiração. Não podia sair no meio da reunião, não tinha como se recompor. Controlou-se. O jeito era segurar firme enquanto pudesse. Teria sido alguma coisa que havia comido? O que lhe fizera tão mal? Não, não era. Sabia que não, pois a sensação, antes esparsa, agora era cotidiana. Como esconder a vergonha? Sabia que todos o observavam agora, pois já estava quase curvado no esforço de conter o vômito iminente. Não podia sair, sabia que não, mas era inevitável.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Com licença, preciso sair por um momento...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ninguém prestou atenção. Nenhum olhar se voltou para ele, nenhum músculo na sala se mexeu em sua direção. Surpreso, pôs-se a encarar o rosto dos colegas, mas eram feito de vidro e, como tal, transpareciam a realidade tão evidente: ele era invisível. Minto, ser invisível requer um estado único e não havia nada único em sua presença. Ele só não se destacava. Seu sorriso era esquecível. Os colegas não se lembravam de sua presença. Não incomodava, mas também não inspirava. Era dispensável. Um tanto-faz.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Morno.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao ter consciência de sua natureza, não conseguiu controlar mais o enjoo. Abriu a boca e deixou escorrer o líquido. Era apenas água e mais água e mais água... Ela corria pelo chão, os colegas continuavam impassíveis e ele quis inundar o mundo com a sua presença, mas só conseguia se dissolver lentamente à medida que o líquido caía profusamente pela sala. Percebeu que estava sumindo e se deu conta do pouco tempo que lhe restava, mas nem lágrimas havia para chorar - triste ver que nem poderia chorar pelo seu inevitável fim -, pois toda água saía apenas de sua boca. Não podia fazer nada senão esperar que cada parte do seu corpo fosse desaparecendo. E, antes que sua última fração se dissipasse, teve uma epifania: de que seria notado. Nem que fosse na forma de uma incômoda poça de água.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-50689084257996380242015-04-17T19:00:00.000-03:002015-04-17T19:11:36.001-03:00Aos pedaços<div style="text-align: justify;">
Fixou o olhar na janela e o silêncio imperou outra vez. Aos poucos, começa a ouvir o som dos próprios pensamentos. Lentamente, vem vindo o mosaico de questões. Vai se perguntando quando todo o inferno foi criado e por que não conseguiu ver. Estava tão cego assim? Quando perdeu a importância? Estava tão ocupado com seu próprio jogo, com sua própria vida medíocre que se esqueceu? Resolve engolir o próprio orgulho, pois sabe a resposta dessas perguntas já tão pretéritas. O mundo lá fora está correndo e o tempo vai andando, sem pressa. Só ele não juntou as peças?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- ...</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Pensa agora no futuro que há de encarar e pensa se é necessário. Vale a pena? Por
acaso, algum dia valeu? Sabe, pelo menos, que nunca se deixou enganar,
nem por um minuto. No entanto, isso não é consolo suficiente. Não pode fazer muito a respeito, mas pode prever a
tempestade que está por vir. No mundo que vai desmoronar - não há engano
aqui; tudo vai cair aos pedaços - e indaga quem estará lá para
remendá-lo quando acontecer? Uns consertam os outros, outros arrumam um,
mas ninguém se dispõe a salvar um rejeitado. E, sendo rejeitado, só lhe resta abraçar os que são jogados fora, pois sabe o que significa não ter valor algum.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-70446962524731308512015-04-05T13:43:00.000-03:002015-04-05T13:43:36.731-03:00Poema pra te salvar mais depressa<div style="text-align: justify;">
Não faz muito tempo que quis<br />
Escrever um poema pra te salvar mais depressa<br />
Falhei, as palavras faltaram<br />
A rima era pobre e a intenção, fraca.<br />
<br />
Não faz muito tempo que quis<br />
Compor uma canção pra te dar esperança<br />
Falhei, não há melodia<br />
Rima inútil, música simplória.<br />
<br />
Não faz muito tempo que quis<br />
Remendar o tal coração em pedaços<br />
Falhei, não há jeito<br />
De consertar um lado que já está tão quebrado.<br />
<br />
A verdade é que não resta muito tempo<br />
Pra compor uma música ou escrever poesia<br />
Só o consolo da companhia<br />
Só o consolo de estar por perto.<br />
<br />
Hoje eu só quero escrever</div>
<div style="text-align: justify;">
Um poema pra te salvar mais depressa,</div>
<div style="text-align: justify;">
E chego à conclusão</div>
<div style="text-align: justify;">
Que é uma canção pra não te perder mais rápido.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-81045475200057331342015-01-29T21:39:00.003-03:002015-01-29T22:11:23.687-03:00Batismo<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1C63ug_bE9tlbV7exUYyDvEBvIQmXjgAxrNYB0iRtgSz2VK-yxIatOtJGbfWU4vFcCcu_bxrPm-AOJlovb_dis_Ekb3GMNe35e4KtZSDFWRdaaILN5Nxui22jpviBARnV3BI6gSZGCpA/s1600/101221602.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1C63ug_bE9tlbV7exUYyDvEBvIQmXjgAxrNYB0iRtgSz2VK-yxIatOtJGbfWU4vFcCcu_bxrPm-AOJlovb_dis_Ekb3GMNe35e4KtZSDFWRdaaILN5Nxui22jpviBARnV3BI6gSZGCpA/s1600/101221602.jpg" height="266" width="400" /></a></div>
<br />
Seus pés brincavam com a mistura de areia e água. Água fria. Gostava da sensação de leve torpor que invadia o seu corpo. O sol ainda estava fraco, por isso estranhou a súbita vontade de entrar no mar. Quando deu por si, estava com a água pela cintura. O torpor aumentou, mas era agradável e não o incomodou. Continuou seguindo e só parou quando a água estava chegando no nariz. Virou e deixou que seu corpo flutuasse por sobre a água.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
E flutuou. Há quanto tempo estava daquele jeito? Minutos? Horas? Perdera a noção do tempo. Boiava apenas e isso era o que importava. O entorpecimento lhe causara o efeito contrário: passou a sentir. Sentir-se, antes de tudo. Pareceu-lhe que o antes era um ilusão e o agora era a verdade. A água tocava o seu rosto e milhões de formigas correram por seu corpo. Sentia o beijo frio do mar enquanto flutuava sem destino. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ouvia um som, isso era certo, Um único som distante. Da arrebentação, talvez? Ou do coração que ainda pulsava nele? Não sabia que som era, mas era um som de vida, de quem era completo e não sabia. Na água, era completo. Ele e o mar eram um, afinal. Eram um templo cheio de vida e som e ar e calor (apesar do frio) e estavam um no outro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Decidiu voltar. Pôs peso no corpo e decidiu tocar o fundo. Não dava pé. Apesar disso, não houve desespero. Voltou na metade do caminho e pôs-se a dar braçadas inúteis. A areia estava longe e sentiu-se cercado pela imensidão do oceano. O esforço começou a cobrar seu preço e, de repente. se viu sem forças. Sentiu o gosto da água salgada invadir sua boca, enquanto seus pulmões gritavam por ar. A resposta foi mais água. Afinal, a água era tudo e tudo era água, não é? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Escuridão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sentiu que alguém lhe puxava. Voltou aos poucos à medida que abandonava a água. Um grupo de pessoas o observava de cima e um homem de vermelho lhe perguntou:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Está me ouvindo?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Piscou. Fechou a mão e sentiu a areia úmida entre os dedos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Como se sente? - perguntou o homem.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Infinito. - respondeu.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-39627283310761381272014-12-22T21:17:00.001-03:002014-12-22T21:17:39.846-03:00Presságio<div style="text-align: justify;">
"Nunca se sabe até saber...", era o tipo de resposta que ela gostava de dar. Eu gostava de ouvir suas histórias, embora acabassem na metade e, na maioria das vezes, sequer terminassem. Mas eu gostava, pois ela sabia criar histórias do ar e ia falando como se sempre estivessem por lá. Nunca havia uma pausa ou um instante de dúvida. Elas estavam lá, frescas e inteiras, as histórias que completavam a minha vida e a dela.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas não é essa história que vim contar, é a da moça dos cabelos de prata e sorriso de marfim. Não se sabe o nome dessa moça, nem quem eram seus pais, ou se houve alguém na vida dela que merecesse ter alguma linha dedicada em sua história. Tudo o que se sabe é que ela era uma moça dos cabelos de prata e tinha um sorriso de marfim. Ah, e sua ocupação: ela era vidente. Não como aquelas que se enfeitam e vendem suas bugigangas nas feiras, buscando ler as mãos dos turistas desavisados. Essas são tolas e vendem seus tesouros. Ela tinha suas previsões e as guardava em um baú de madeira, grande e pesado, tão pesado que ela não conseguiria mover.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Como em todas as histórias, tem que haver um senão. A bela moça só tinha a capacidade de ver o futuro dos outros. Nada que fosse seu, bom ou ruim, Por isso, vivia sozinha e inalcançável em uma casa no campo. De quando em quando, via gente dos arredores, mas não significavam muita coisa para ela. Longe dos olhos, longe do coração.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Até o dia em que houve um vento de mudança em suas previsões. Uma brisa suave que causa um efeito devastador e a moça dos cabelos de prata e sorriso de marfim descobriu isso da maneira mais humana possível: ao ver o seu próprio futuro. Sim, um jovem rapaz apareceria e a levaria para longe dali, para longe dos presságios, das visões. Ao ver que ficaria distante do seu dom para sempre, teve medo. Mas ao ver a vida que teria com ele, teve amor.<br /><br />Eis o problema (sim, eu sei que toda história tem um eis, mas eu já passei pelo ser, pelo senão e pelo até. O que você esperava? Eu estou conformado com a história do jeito que é, então peço que se conforme também): a moça dos cabelos de prata e sorriso de marfim não podia ter o luxo de viver as duas coisas, Amor e dom não se completam. É a escolha que todos devemos fazer, mais cedo ou mais tarde. Há quem escolha dom, há quem escolha amor, há quem escolha a si mesmo e há quem abre mão de escolher qualquer coisa. Mas qualquer coisa é insatisfatório, não é? Mas uma coisa é certa: não há quem escolheu e não perdeu algo. E ela sabia disso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Então a moça dos cabelos de prata e sorriso de marfim fez sua escolha. Fim.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Que tipo de final é este? - eu reclamava e ficava emburrado. - O que ela escolheu?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- O final está aí. Basta abrir os olhos e ver.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Era o tipo de resposta que ela gostava de dar.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-39597340269365032832014-10-22T08:03:00.000-03:002014-10-22T08:03:46.949-03:00Canção de nuvem e areia<div style="text-align: justify;">
Eu escrevo ao grande amor inatingível</div>
<div style="text-align: justify;">
Sim, dedico fracas linhas ao idealizado</div>
<div style="text-align: justify;">
Os dedos raspam no mistério intocado</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas é sombra o sentimento intangível</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda canto ao grande tempo desperdiçado</div>
<div style="text-align: justify;">
Sim, desafino em favor do que é crível</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas se desfaço a sutileza do atingível</div>
<div style="text-align: justify;">
Não corro o risco de soar muito apressado?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando a hora é areia e o coração é nuvem</div>
<div style="text-align: justify;">
Vê-se a ilusão nos amantes que se abrasam</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas o som do relógio nos torna pragmáticos</div>
<div style="text-align: justify;">
E me constrange soar tão amorosamente ingrato</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Que a areia e a nuvem se queiram e se enluvem</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas é bobagem: opostos apenas se acusam</div>
<div style="text-align: justify;">
E hoje não mais faço coro aos gramáticos</div>
<div style="text-align: justify;">
Insisto que o tempo é concreto e o amor, abstrato.</div>
Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-11060281414155929172014-10-05T21:51:00.002-03:002014-10-05T21:57:35.137-03:00Mudança<div style="text-align: justify;">
Eles acham certo amar os pequenos pedaços de vida espalhados pelo mundo. Recortam a poesia em imagens fugazes, exaltam a nostalgia e se armam com o romantismo. Vivem o sofrimento com intensidade. O eu-lírico é uma muralha intransponível - quem o entende? O tom seguro do desgosto supera o do otimismo. As penitências se acumulam. pois a fé é a razão central da existência. Enchem-se de falsa amargura e de um raso vazio existencial.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Onde está o amor inteiro, concreto? E a poesia que não está atrelada a imagens? Por que essa irritante nostalgia do que está preso nas fotos? Qual é a dificuldade de entender o eu-lírico? Não é um ser inatingível, incriado... Perdoem a arrogância, mas ele é tão humano quanto todos nós. O tempo passa, ele cresce e vive, mas ainda é irremediavelmente humano - graças a Deus! - por isso, a pergunta: qual a dificuldade? Uma espécie de falsa modéstia? Ou apenas uma crença maluca?<br />
<br />
Não importa que ele questione o mundo. A resposta é sempre o sofrimento. Nesse mundo, todos sofrem da mesma forma, do mesmo jeito, com as mesmas dores.<br />
<div>
<br /></div>
<div>
Ele está farto desse mundo.</div>
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Danilo Monteirohttp://www.blogger.com/profile/00718351305530544401noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7755420610024685882.post-65528263471907748272014-08-30T03:04:00.003-03:002015-04-17T18:07:55.072-03:00Angústia<div style="text-align: justify;">
Ela ajeitou o cabelo dele e um sorriso discreto apareceu em seus lábios. Ela se alimentava desses pequenos momentos, dessas pequenas vontades. Eu observava de perto a dinâmica desse protótipo de relação. Sim, dessa espécie de proto-relação. Não peço perdão pela arrogância do neologismo, era isso o que eles eram e ele sabia. Ela ali estava, subserviente, esperando pelas migalhas de afeição que caíam da mesa dele. Sentia fome de um amor maior, mas faltava a coragem de um confronto. E assim ia morrendo de desejo, de vontade, de querer um algo inatingível, porque, convenhamos, é melhor nada ser do que nada ter. Nada sendo ia tendo, mesmo que ele não se importasse. Mesmo que o fascínio a dominasse. E ele sabia desse fascínio, abusando como podia. Porque era tolo. Porque não sabia que é melhor ser útil do que desejado. Porque a angústia dela era quase como a de um texto escrito em parágrafo único, igual a esse que escrevo, texto bruto escrito em bloco único. Era quase como se os eventos fossem acontecendo e ninguém pudesse pará-los (no final das contas, ninguém vai parar mesmo, não é?) e o mundo segue e o texto corre e corre e corre... Nesse quase-quase de amar sem ter amor, a angústia dela aumentava, o tempo passava e nada acontecia. Eu apenas observava ele não se compadecer da dor dela, que pingava de um conta-gotas sem fim. "Alguém vai pará-lo?" Os céus proclamam a lacônica resposta: "Só Deus sabe!". Minto, fui eu que falei. Mas eu não quero assumir a responsabilidade de uma frase tão desesperançosa. Devo voltar a falar dela? Pois bem: por enquanto, ela vai sofrer. Eventualmente, vai querer morrer, mas é bom morrer de vez em quando. Morte nem sempre é fim. Quase nunca, na verdade. No fim, não nos agarramos a essa esperança?</div>
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