quarta-feira, 28 de março de 2012

Percepção


Nihil

Eu quero contar a história
de alguém que não enxerga

Ele sabe que existem
motivos para viver
e agarra-se a eles como fiapos de esperança

Mas também entende
os motivos para morrer
e os celebra

Como sabe a diferença
entre eles?

Não há mais luz em seus olhos
para que possa distingui-los

Ele não consegue enxergar
não consegue ver nada...

Nada além da sua própria humanidade.

Posso contar novamente
a minha história?

quinta-feira, 15 de março de 2012

Sonata



Um pianista desajeitado compõe uma canção
E uma primorosa bailarina descreve passos

Será que é ganância
Colocar palavras numa canção que não deveria tê-las?

E se essas palavras completassem a melodia
Ainda seria ganância minha?

Perdoe-me, então...

Que o beijo deles seja todas as palavras desta canção.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Vivace



Tocava uma melodia suave e rápida. Ao longo do caminho, ia errando acordes e tempos... Mas nunca havia tocado uma canção com tanta intensidade, com tanta alegria. Era uma canção desajeitada, mas cheia de sentimento. E isso importava.

Ela dançava a cada novo som que saía daquele piano. Os passos preenchiam os erros de execução e todos os acordes desafinados que ressoavam pela sala. Cada movimento dela era invejável, parecia que tinha ensaiado durante anos para aquele momento... Era a dança perfeita para uma música tão pobre. 

Mas pobre para quem?

Agora que a encontrara, não queria mais deixá-la ir. Foi necessário que ela desse o passo decisivo para que a música terminasse. Ele deu o acorde final e encheu-se de medo, mas ela não quis ir embora.

Ele ficou feliz. Sentiu-se inundado pela vida. A vida que é sinônimo de amor.
E adorou a canção.
E cada movimento doce dela.
Olhou nos olhos da dançarina.
Vivace.

terça-feira, 13 de março de 2012

Interlúdio


"Esse não é o momento inadequado
para se fazer uma pausa?"

Mas eu olho para ele,
eu olho para ela
e me pergunto:

"Esse não é o momento perfeito
para um novo andamento?"

quinta-feira, 8 de março de 2012

Allegro



Nunca se sentiu pequeno diante do piano. Agora não o via como um mero instrumento de trabalho. 
Era como um amigo pra quem ele havia esquecido de dizer adeus. 
Aproximou-se dele e deslizou os dedos pelas teclas, suavemente. Pensou em tocá-lo, mas...

"Como poderia ele
Tocar uma canção desafinada?"

Ela  estava absorta. Olhava para aquele pássaro insistente e não entendia o porquê dele estar tão distante.
Mas ele era tão belo... Como poderia trazer tanta angústia?
"Será que é porque a angústia não é ele quem traz?", pensou. 

"Como poderia ela
Não mostrar seu coração?"

Levantou-se, pois havia entendido que nunca tocara com tanta perfeição assim.
Chegou à conclusão que era impossível. Não tinha mais motivos para se esconder por tanto tempo. 
Sempre fora um desajustado querendo prever o futuro.
Sempre fora uma deslocada procurando motivos para sorrir.

Ele aproximou-se do piano e tocou o primeiro acorde. Errado.
Ela deu um salto e parou perto dele. Perfeito.

Os dois se encararam e sorriram.
Esse mo[vi]mento feliz.
Allegro.

"O começo é sempre doce.
O começo é sempre suave."

Agitato




"'Um presente divino...'
Era o coro dos idólatras..."

Uma bailarina. Incrível. Era suave e intensa. Como a beleza de um furacão que destrói tudo por onde passa. E ela estava no centro desse ciclone. Os seus pés rodopiavam como o vento, mas ela estava tranquila... 
O seu mundo era cheio de reticências e seus olhos eram de uma expressão pacífica. 

Quem a olhasse de perto, estranharia. Os aplausos eram destinados aos seus pés, por isso não notavam. Ninguém notava. O que havia, afinal, por trás de olhos tão pacíficos? E qual era o sentido por trás de cada movimento?

"Os pés dela pareciam estrelas
Caídas do céu, luz na terra..."

Ela não sabia.
Tinha um coração e estava bem certa disso. Mas por que mostrá-lo?

Os sentimentos dentro dela eram como um pássaro bonito que não quer cantar. A gaiola dourada não lhe dava significado. E a gaiola era ela. Por isso, ela ansiava se libertar de si mesma e pegar esse pássaro.

Para libertá-lo?
Não. Só para poder estraçalhá-lo com suas próprias mãos e nunca mais sentir essa angústia, essa agonia...

Esse movimento rápido.
Agitato.

"O começo é sempre doce,
Mas não nesse caso."

terça-feira, 6 de março de 2012

Adagio




"Das mãos dos comuns saem ouro
Das minhas, diamantes..."

Um excelente pianista. Isso era indiscutível. Por isso, talvez, prezasse tanto pela integridade das suas mãos. Não as considerava participantes do seu corpo: eram a sua razão de existir. Mais que ferramentas de trabalho, eram o seu próprio meio. A vaidade lhe tornara daquele jeito, os aplausos eram como água para ele e a necessidade de reconhecimento regia seu comportamento.

Por outro lado, era frio. Completamente alheio ao que acontecia ao seu redor. Não se importava e isso era uma constante. Por isso, baixava os olhos e bocejava com frequência. Parecia arrogante e mal-educado. E era. O não se importar era mais fascinante do que a tola concepção de amor.

"Ele andava com as mãos nos bolsos
E isso era o sinal de sua arrogância..."

Dor.
Rápida.

"Incapacitado de exercer movimentos.", foi o diagnóstico que ouviu. Com um ponto que não deixava dúvidas. Antes, odiava essas dúvidas. Eram sinônimo de fraqueza. O certo é que não havia o que fazer. Apenas esperar e ver para onde o tempo o levaria. E essa espera era uma tortura, pois se mostrava através de um movimento lento... 

Perdão, não tão lento. 
Um adagio.

"O começo é sempre suave
Mas não nesse caso."

segunda-feira, 5 de março de 2012

Prelúdio


O começo é sempre suave
Mas não nesse caso

Ele andava com as mãos nos bolsos
E isso era o sinal de sua arrogância

"Das mãos dos comuns saem ouro
Das minhas, diamantes"

O começo é sempre doce
Mas não nesse caso

Os pés dela pareciam estrelas
Caídas do céu, luz na terra

"Um presente divino..."
Era o coro dos idólatras

Como poderia ele
Tocar uma canção desafinada?

Como poderia ela
Não mostrar seu coração?

O começo é sempre doce
O começo é sempre suave