segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O pecado mortal


ao contrário
do que muitos pensam
o maior pecado não consiste
em viver uma existência nula


desejando ser o outro

tendo a oportunidade de fazê-lo

engolindo o mundo por puro capricho

solitário num trono decadente

acreditando que ser é luxo de tolos

ou viver desafiando o próprio Deus


o pecado mortal
é acreditar que

o desejo
é mais forte
que
o amor.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A Luxúria


"Because of the heart, I lust for everything about you" (Tite Kubo)

Ela sabia que os olhares estavam fixos nela e sentia prazer nisso. Estava ciente do poder que tinha em suas mãos. Aliás, mãos, pés, cintura e lábios. Ah, lábios que sussurravam palavras doces e atraentes... Palavras tão maravilhosas e interessantes! Ela era articulada, inteligente e bela... Então, por que chorava? Será que ela tinha medo de algo? Mas seu choro era breve e logo ela estava sorrindo no salão, esperando a próxima dança...

E como dançava...

Um casal se destacava do outro lado do salão e ela encarava o rapaz com desprezo. Ele era bonito, jovem e interessante... E havia machucado seu coração. O clichê se repetia em sua vida. Ela, acostumada a atrair todos os olhares, não sabia como dividir a atenção. Sentiu as lágrimas escorrerem pelo seu rosto, deixando dois traços bem marcados. Por um breve momento, desejou que ele morresse. Que os dois sumissem da face da Terra!

E o desejava tanto que perdeu a noção do tempo...

Quando voltou a si, notou que o salão desaparecera e que o casal não estava mais presente. O presente, aliás, mostrava um desastre do qual ela não poderia escapar. Correu, mas o chão cedia ao menor passo. Andou, mas o calor era muito intenso. Resolveu desistir e dançou por algum tempo com a solidão, sua melhor amiga. Quando olhou para trás, percebeu que ele estava lá. E isso de alguma forma a alegrou. Mesmo com o inferno que desabava ao seu redor, ele estava lá. Seu desejo seria recompensado?

Entendeu que não.

O ar lhe faltava. O tempo chegava ao fim. Deitou-se no chão. Olhou para o amado, mas ele era frio, distante... No lugar onde deveria estar o coração, havia o nada. Apesar do calor, os dois traços no rosto dela estavam mais marcados do que nunca... As reticências ficariam no passado. Percebeu que era temporária e sentiu pena de si mesma. O último pensamento, manifestado num doloroso sussurro:

- Por que ninguém nunca me amou?

sábado, 21 de janeiro de 2012

A Ira



"I rage because of the heart" (Tite Kubo)

Ele chegou ao local combinado na hora marcada e percebeu que ela não estava só. Ele investira um pouco de tempo e já se sentia traído. Ela falava com o outro e milhões de agulhas percorreram o seu corpo. O que significava o tempo perdido pra ela? Ele era uma espécie de bobo da corte? 

Mais importante, por que ele?

Aproximou-se do recente casal e resolveu que alguém deveria pagar pelo preço da traição. Trinta moedas era tão pouco...  Olhou para o céu, com rancor, e exclamou:

- A culpa é sua!

De imediato, um raio riscou o céu. Com fúria, deixou a garrafa de vinho cair da sua mão. Os cacos de vidro se espalharam, perfurando tal como um punhal. 

O casal imóvel observava a cena.

Eles apenas olhavam. 

O líquido vermelho rapidamente espalhou-se sobre a toalha branca em que estavam sentados.

Foi quando percebeu que tinha ido longe demais.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A Preguiça


"I sloth because of the heart." (Tite Kubo)

Estava em dores, mas permanecia como se não. O ritmo era lento, cadenciado. A agitação era coisa de fracos... Encontrou a própria força de forma reticente. Permanecia em uma posição desconfortável, achando que o conforto não era tão bom assim... Uma espécie de inveja? Talvez, mas era passível de pena capital o agir. Sua vida era repleta de verbos de ligação e o ser era pra ele o mais vazio de todos.

De repente, sentiu um leve torpor, então exclamou e entrou em pânico. Tentou se acalmar, mas o torpor transformou-se em uma dor súbita. E essa dor invadia seus braços e pernas. Não queria entrar em pânico, mas o desespero tomou conta do ar da sala. As escaras se mostravam agora dominantes por todo o seu corpo e, numa última tentativa, abraçou o vazio...

Tentou, mas era tarde.
O ser não era tão sem significado, afinal.

... e caiu sem vida.

domingo, 15 de janeiro de 2012

O Orgulho


"I am prideful because of the heart." (Tite Kubo)

Eu causo impacto. Desde cedo, me chamam de bonito e de inteligente. Então, eu posso dizer que causo impacto nas pessoas. As minhas palavras são as mais diretas, as mais envolventes, as mais interessantes. As dos outros são tão comuns... Aliás, o mundo está cheio de pessoas comuns. Eu não sou nem um pouco comum. Eu sou extraordinário.

Eu sei me definir muito bem. Tenho todas as respostas na ponta da língua. Sou incrivelmente habilidoso com as palavras. Guardo em mim todas as mágoas das mentiras que me foram ditas um dia. Eu mostrarei ao mundo o quão incrível e maravilhoso eu sou, mesmo que agora eu pareça... pequeno. Deixe-me apenas colocar minha coroa e descer do meu trono solitário que vou te convencer disso.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A Gula


"I glutton because of the heart" (Tite Kubo)

Ele tinha um sorriso amplo como um cômodo de uma casa espaçosa. Preenchia toda a sua existência e era seu grande trunfo. Passara por grandes decepções e erros de percurso, mas aquele sorriso nunca o abandonou.

E ele fazia questão de exibi-lo como um grande troféu, como aquela medalha que os esportistas orgulhosos colocam no peito e não querem mais tirar. As pessoas costumavam comentar o quão feliz ele era, mas ele não pensava sobre sentimentos. Para ele, felicidade era uma coisa proibida:

- Um pecado. O meu sorriso é a personificação do pecado.

Resolveu que o fascínio envolveria a todos. Sem distinção. Não importava a qualidade do ser que havia por trás do sorriso. O importante era parecer ter inteligência, ter cultura, ter beleza. Afinal, como todo bom pecado, o sorriso encobria seu principal defeito. E rezou para que não chegasse o dia em que descobrissem o seu erro e o devorassem... Continuou com seu sorriso voraz, insaciável, escondendo por trás dele o seu grande mistério:

- Eu queria ser.

domingo, 8 de janeiro de 2012

A Cobiça


"I covet because of the heart." (Tite Kubo)

Descobriu que tudo que sempre desejara era agora possível. Teria apenas que libertar esse inferno negro que trazia dentro de si. O preço a pagar, no entanto, era altíssimo: teria que abrir mão do seu próprio ser. Passou a odiá-lo na tentativa de esquecê-lo, mas isso se tornou uma tortura que lhe parecia infinita. A agonia era sufocante, o coração estava mais apertado do que de costume...

Sem pensar, caminhou para o vazio e jogou-se na escuridão. As trevas lhe envolveram com um surpreendente conforto. Foi nesse instante que viu o outro subjugado. Por um minuto, ensaiou um olhar de pena, mas seu coração - antes apertado - agora era inexistente. Fechou os olhos e deixou que a escuridão o envolvesse. Quando abriu os olhos novamente, se enxergou através do outro. E riu descontroladamente.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Inveja





"I envy because of the heart." (Tite Kubo)



Desde que o conheceu, não tivera mais paz. Era a pessoa por quem mais tinha admiração. Gostava do seu humor, do seu jeito, das pessoas que estavam ao redor dele. Gostava  de observá-lo de longe e o idealizava de mil maneiras. Os sentimentos que nutria por ele iam além da admiração, beiravam à idolatria. Vivia naquela angústia e maquinava milhões de formas de ser igual a ele. Melhor: ser ele. Nem que fosse por um momento. Nem que fosse por um milésimo de segundo.

Por isso, se odiou.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Não espere um fim

Aprendi muitas coisas nessa vida. Descobri que as pessoas não são tão legais ou tão cruéis quanto aparentam ser. Aprendi que esperar demais das pessoas é decepção e que esperar de menos é arrogância. Ouvi letras, li canções e senti emoções que eram minhas, mas eu teimava em dizer que não. Tive bons amigos e eles foram rochas. Algumas se quebraram - fazer o quê? -, mas a maioria continua aqui. Percebi quem é de fato o Senhor do destino, do tempo e do infinito. Senti o medo da morte e da solidão, até me dar conta de que isso é bobagem. Então, mesmo que eu esteja indo embora agora, não fique com medo. Um final bonito seria uma homenagem e tanto, mas o finito não nos reserva privilégios. Quero que você saiba que não tenho mais medo. Meus pés estão plantados na eternidade.