segunda-feira, 30 de abril de 2012

Definitivo


Eu sou aquele que só sabe o que é certo
E gosta do que é definitivo
Eu sou aquele que nem sabe mais errar
E se desvia do acaso infinito

Eu sou aquele que odeia a dúvida
E tem medo do distante
Eu sou aquele que preza pela certeza
E despreza o interessante

Eu sou aquele que anda sobre cordas seguras
Eu sou aquele que só conhece o rígido
E por ser tão inflexível
Foi pego desprotegido

Eu sou aquele que sequer olha para trás
Eu sou aquele que anda e navega só
E por estar tão certo em saber de tudo
Não sabe que é apenas pó

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Quase



Eu quase vi
mas me ausentei

Eu quase agi
mas nem tentei

Eu quase te amei
o medo quebrou o tempo

Eu quase quis
mas por quase viver
minha vida virou um talvez.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Ingênuo



Naquela manhã de sol
Ela voltou-se para mim, sorridente:


- Não é verdade que você me ama?
- Sim, bastante.

Fui tolo ao esperar uma resposta?
Ou mais tolo ao não perceber de imediato
Que o silêncio era a resposta dela?

terça-feira, 3 de abril de 2012

Kokoro 心



Para João

Eu não sou otimista. Eu prefiro o lado sombrio das coisas.

Sempre achei que a perda era o tom da minha vida e já havia me acostumado a isso. É mais fácil lidar com o conhecido. Por isso, sou frio, insensível e distante.

É isso que me faz humano.

Por isso, não me surpreendi quando a perda apareceu. O problema é que, dessa vez, eu não me acostumei com ela. Pelo contrário, me revoltei. Não queria lidar com a perda, eu queria ganhar. Pelo menos uma vez.

Você quis viver. Eu ganhei.

E a sensação era diferente dessa vez. Não era a de lidar com um conhecido que já sabe tudo sobre você. Dessa vez, era um desconhecido surpreendentemente agradável. E perdoe-me o egoísmo:

- Ganhar é agradável.

Entenda, eu continuo não sendo otimista e preferindo o vazio das coisas. E continuo frio, distante e (menos?) insensível, mas a perda já não é mais o tom da minha vida. No fim das contas, eu entendi... O tom da minha vida não é ganhar ou perder:

- É saber onde está o meu coração.

E eu estou bem certo que sem você não há coração.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Aquarela


Ela estava deitada na grama, olhando para o céu. Naquele dia, nuvens roxas. Não gostou, pois sabia que essa cor era cheia de medo, de dor. Não gostava de cores escuras. Pressentiu que algo ruim aconteceria e esperou. Sua amiga da rua chegou até ela e disse:

- Que você tá fazendo aí deitada? Vamos brincar!

12 anos. Era uma criança, afinal.

Gostava de olhar para as nuvens. Era o que mais gostava de fazer. E teria continuado ali deitada se não soubesse o que aconteceria. O problema era esse: ela sabia. Por isso, levantou-se sem vontade e foi brincar. Para se distrair, para pensar em outra coisa.

Para fugir de si mesma?

Viu de longe a mãe indo para o trabalho. Coitada. Tinha dois empregos em dois hospitais diferentes e mal parava em casa. Ela não a culpava. Entendia a situação e esperava. Era tudo que podia fazer. Esperou mais alguns minutos (eternos?) quando ouviu a voz do padrasto:

- Lúcia, hora de entrar.

A amiga já estava acostumada. O padrasto de Lúcia era um professor aposentado e muito exigente com os estudos da enteada. Lúcia foi andando sem pressa e entrou pela porta da cozinha. Ouviu a velha frase de sempre:

- Se você contar para alguém, eu mato sua mãe.

Lúcia tirou a roupa.
Tudo ficou preto.

***

Uma semana se passara e Lúcia estava olhando para as nuvens. Laranja. Não entendeu. Era sua cor predileta, mas incrivelmente rara. Significava um dia tranquilo, sem agitação. 

- Um dia de liberdade, talvez?

Voltou a si com o grito do padrasto, que a chamava para entrar. Mais uma vez, andou sem vontade e entrou pela porta da cozinha. O padrasto apontou para um bolo em cima do balcão:

- Sua mãe que fez.

Lúcia acenou com a cabeça. Sabia que a mãe a amava mais que tudo, por isso não podia deixá-la morrer. Tinha que aguentar. Tirou a roupa e esperou. O padrasto se aproximou, mas não falou nada. A menina arregalou os olhos e balbuciou algo no ouvido dele.

- O que foi, menina?
- Hoje... Não há ameaça...?
- Como é?!

Tudo ficou vermelho. Rapidamente, Lúcia alcançou a faca que estava em cima do balcão e fincou no pescoço do seu padrasto. Surpreso, ele agarrou o pescoço, mas era tarde: o sangue jorrava violentamente. Lúcia se aproximou e sussurrou em seu ouvido:

- Você não disse nada dessa vez.

O homem agonizava no chão. Lúcia tirou a faca do seu pescoço e a lavou cuidadosamente na pia. A menina aproximou-se do balcão, cortou uma fatia do bolo e comeu. Exclamou:

- Está uma delícia!

Era de laranja.