segunda-feira, 2 de abril de 2012

Aquarela


Ela estava deitada na grama, olhando para o céu. Naquele dia, nuvens roxas. Não gostou, pois sabia que essa cor era cheia de medo, de dor. Não gostava de cores escuras. Pressentiu que algo ruim aconteceria e esperou. Sua amiga da rua chegou até ela e disse:

- Que você tá fazendo aí deitada? Vamos brincar!

12 anos. Era uma criança, afinal.

Gostava de olhar para as nuvens. Era o que mais gostava de fazer. E teria continuado ali deitada se não soubesse o que aconteceria. O problema era esse: ela sabia. Por isso, levantou-se sem vontade e foi brincar. Para se distrair, para pensar em outra coisa.

Para fugir de si mesma?

Viu de longe a mãe indo para o trabalho. Coitada. Tinha dois empregos em dois hospitais diferentes e mal parava em casa. Ela não a culpava. Entendia a situação e esperava. Era tudo que podia fazer. Esperou mais alguns minutos (eternos?) quando ouviu a voz do padrasto:

- Lúcia, hora de entrar.

A amiga já estava acostumada. O padrasto de Lúcia era um professor aposentado e muito exigente com os estudos da enteada. Lúcia foi andando sem pressa e entrou pela porta da cozinha. Ouviu a velha frase de sempre:

- Se você contar para alguém, eu mato sua mãe.

Lúcia tirou a roupa.
Tudo ficou preto.

***

Uma semana se passara e Lúcia estava olhando para as nuvens. Laranja. Não entendeu. Era sua cor predileta, mas incrivelmente rara. Significava um dia tranquilo, sem agitação. 

- Um dia de liberdade, talvez?

Voltou a si com o grito do padrasto, que a chamava para entrar. Mais uma vez, andou sem vontade e entrou pela porta da cozinha. O padrasto apontou para um bolo em cima do balcão:

- Sua mãe que fez.

Lúcia acenou com a cabeça. Sabia que a mãe a amava mais que tudo, por isso não podia deixá-la morrer. Tinha que aguentar. Tirou a roupa e esperou. O padrasto se aproximou, mas não falou nada. A menina arregalou os olhos e balbuciou algo no ouvido dele.

- O que foi, menina?
- Hoje... Não há ameaça...?
- Como é?!

Tudo ficou vermelho. Rapidamente, Lúcia alcançou a faca que estava em cima do balcão e fincou no pescoço do seu padrasto. Surpreso, ele agarrou o pescoço, mas era tarde: o sangue jorrava violentamente. Lúcia se aproximou e sussurrou em seu ouvido:

- Você não disse nada dessa vez.

O homem agonizava no chão. Lúcia tirou a faca do seu pescoço e a lavou cuidadosamente na pia. A menina aproximou-se do balcão, cortou uma fatia do bolo e comeu. Exclamou:

- Está uma delícia!

Era de laranja.

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