quinta-feira, 29 de maio de 2014

Ruína (fim)

- Olhar...?

Não entendeu. O que ela queria dizer com aquilo? O sinal vermelho, a espera... Será que ela não via como era injusto deixá-lo no escuro? As luzes do parque, o carrossel girando e girando... Não via? Por que não via? E a dor aumentava. O sorriso dela, aquele olhar tão vivo... Estava cego? O carrossel, o parque, tudo se misturava. O mundo rodava, mas estavam parados no mesmo lugar. O que era aquela sensação crescente no peito dele?

- Agonia.

Ela sabia que ele precisava daquilo. Iluminação... Esclarecimento? Não soube dizer o que era. Apenas sabia que deveria falar. Que deveria ajudá-lo a entender a dor em toda a sua plenitude. Sentiu-se miserável por fazê-lo passar por aquilo. Não suportava. Apenas caminhou em direção à saída na esperança de que ele compreendesse sozinho.

- Você acha que é a minha ruína.

"Ele conseguiu?", o rosto dela se iluminou. Mas rapidamente desfez o sorriso quando voltou o rosto para encará-lo. Onde estava o rapaz que ela conhecera? Ela havia conseguido. Ele estava quebrado. E onde estava a beleza disso? Continuou caminhando em direção à porta, pesando a dor que sentia, e só conseguiu ouvir o desespero na voz dele:

- Você sabe que podemos fazer dar certo. 
- Eu sei. - foi o adeus dela.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Ruína (II)

- Se você sabe...

Não continuou, pois entendeu que devia esperar uma resposta. Como era possível que o olhar confuso dela expressasse mil verdades? Ele sabia que precisava esperar, mas a espera nunca foi o seu forte. Lembrou do dia em que a conhecera: sinal vermelho, espera, impaciência, um sorriso tímido do outro lado e pronto. Em pouco tempo, se viu puxando assunto com uma total desconhecida. Gostou do humor dela, do modo sombrio de ver as coisas...

- Lembra do dia no parque? - a voz dela estava distante.

"Como poderia esquecer?", pensou. Ela odiava parques, mas ele a havia convencido. No início, ela parecia chateada por estar ali, mas a companhia dele a ajudou a relaxar. Em pouco tempo, ela parecia uma criança. Correndo de um lado pro outro, desajeitada, rindo sem motivo.. O último brinquedo era o carrossel e ela correu para a fila. Ele pensou em como aquilo deveria parecer estúpido, até ver o olhar embevecido dela. O mundo girava e girava, mas nada importava. A felicidade dela era o que importava.

- Não entendo... Você parecia...

Ela ainda parecia distante quando interrompeu:

- Eu não posso te devolver aquele olhar.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Ruína

- Não... - e baixou a cabeça.
- Eu entendo.

Não era o que esperava. Imaginou vários cenários em seus pensamentos: reações de raiva, de medo, de desespero... Mas não aprendera a controlar aquilo que estava impresso na voz dele. Queria confirmar o que era, mas não ousou levantar a cabeça para olhar nos olhos dele.

- Você sabe...
- Chega. Não mais. - houve uma quebra na voz.

Ela se calou. Era raiva? Não sabia. Esperou que a chuva de palavras viesse, mas ele levantou a cabeça dela e beijou os seus lábios. Surpresa, ela retribuiu. Os pensamentos desapareceram e ela não pensou em mais nada a não ser naquele beijo. Por um breve momento, se sentiu segura e pensou que nada poderia machucá-la. Quando se separaram, havia uma lágrima em seu rosto.

- Esquece isso. - ele enxugou a lágrima do rosto dela e prosseguiu: - Você sabe...
- Eu sei... - ela interrompeu.

Ela sabia que iria arruiná-lo.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Pronome

Em favor do nome,
Relativizamos relacionamentos
O quê do qual do quem que quer.

Em favor do nome,
Almejamos os solenes tratamentos
O magnificentíssimo não tem tudo o que requer?

Em favor do nome,
Interrogamos o suspeito inquestionável
Afinal, quem mais seria o culpado disso tudo?

Em favor do nome,
Possuímos o destino inviolável
Ao roubar o som do tempo e deixá-lo mudo.

Em favor do nome,
Não definimos nossa ambição
Tudo em vez do algo, nada em vez de alguém.

Em favor do nome,
Pluralizamos os limites da nossa indecisão
Obrigando que os caminhos oblíquos se adequem.

Em favor do nome,
Demonstramos nosso medo
Aquele - tão pequeno! - matou este que correu.

E no final de tudo,
Impessoalizamos desde cedo:
Tu, vós e eles formam nós que enforcam o eu.

sábado, 3 de maio de 2014

Eu, Tu, Ele

"Precisas de conforto", tu afirmas
E dizes que ages no nome dele
Mas me entregas uma cama de pedra
E me tratas como um escravo tolo.

"És lugar de descanso?", eu pergunto
Escárnio e desprezo estão comigo
Prefiro falar por mim mesmo
Do que ser fantoche dos outros.