Pego o ônibus na esperança de encontrar algum lugar para ir sentado. Ledo
engano. Sempre cheio esse das sete horas. Um homem fala que o motorista está
atrasado mais uma vez. Alguém fala que a culpa é do prefeito, outros dizem que
são dos empresários. Vou na porta porque não tem lugar. Rotina. Dona Maria
segura a minha mochila e eu agradeço. O homem ainda reclama do atraso do
motorista, que ignora a provocação.
Seguimos. Na outra parada, sobe uma moça bonita. Distraída, fones no
ouvido. Os homens olham e ela se retrai. Dona Maria solta um muxoxo de desaprovo.
“Muita pouca vergonha, parece que nunca nem viram mulher...”, ela olha pra
mim e busca aprovação. Assinto, envergonhado, porque eu também olhei. De canto
de olho, mas olhei. Cúmplice da cobiça, serei condenado?
O ônibus de vez em quando para e mais pecadores vão subindo. Existem os
que bocejam e exalam preguiça. Cheios das nove horas, os vaidosos se olham no
reflexo da janela e se arrumam. Pessoas descem do transporte e alguns correm
para se sentar, pensando apenas em si. Com quantos pecados se faz uma pessoa? A
dúvida pulula na minha mente e nem notei que dona Maria vai descer. Pego a
minha mochila e sento. E penso.
Estamos todos pagando nossos pecados. Essa é a absolvição de andar no
transporte público: lá fora somos independentes, mas aqui estamos aglutinados.
Forçados a conviver, a expor nossa limitação e as nossas loucuras mais íntimas.
O homem ainda fala do motorista que atrasou e eu penso se Deus escuta as nossas
preces coletivas. Pago o alto dízimo - “essa passagem tá muito cara!”, reclamam
-, então me reservo ao direito de ser atendido.
Não encontro mais a moça. Terá
descido? Espero que ainda volte a vê-la... O devaneio da luxúria é o motivo de
eu estar aqui hoje. Bem-aventurados os que andam de carro, pois eles serão
consolados. Aos pobres, não resta esperança. Só a resignação, a espera, a
angústia e precisa esperar de novo porque pobre morre em fila esperando. O
homem desce xingando o motorista e eu reflito se acredito em Deus.
O meu destino se aproxima e sinto um vazio. Minha missa dura mais de uma
hora e já rezei demais. É tempo de deixar o ônibus para trás, de abandonar essa
congregação de ovelhas perdidas que buscam remissão dos seus crimes. Fico para
escutar os últimos acordes do hino de despedida. A catraca gira, a porta abre,
a mulher grávida entra e os velhos ficam em pé. Perdoem os passageiros pela
insensibilidade: eles não sabem o que fazem. Seguem juntos, amontoados, dentro
do coletivo. Ônibus que é coletivo de humano.