quinta-feira, 1 de junho de 2017

Tua carta

Olá,

Sei que isso vai chegar com atraso e talvez você nem leia. Apesar disso, sinto que devo escrever. Existem coisas que pairam no ar, soltas, e a gente espera que elas surjam, mas o tempo nunca é generoso. O tempo pode ser muitas coisas, mas certamente não é generoso. Espero que você entenda que escrevo por necessidade e não por apego. Talvez tenha um pouco de vaidade, mas toda vaidade há de ser perdoada diante do que é necessário.

Será tarde quando você receber essa carta, mas eu ainda sofro por não ser urgente. Essa pressa tão presente nos outros é uma das coisas que me faz falta e, às vezes, acho que devia desejar isso, mas também percebo que o mundo todo anda descontroladamente muito rápido. Além disso, a urgência exige que eu seja ansioso e você já viu o resultado disso. É catastrófico. Então, que eu seja descansado e te escreva em tempo inoportuno porque o contrário disso é perda e já perdi muito em pouco tempo.

Pode ser que você pense que eu esteja ressentido. Não estou. Se eu escrevo sobre sentimentos, a mágoa não é um deles. Se eu te envio uma carta - que, por sinal, nem chega a ser uma carta já que não há tinta, lápis ou papel, mas sim a intenção e aí me pergunto se as cartas são um amontoado de intenções dispostas em palavras mal organizadas -, é porque penso que nós sobrevivemos ao rancor e podemos ouvir. Eu sempre me ouvi, mas será que você me acompanhou nisso? Eu me escuto muito bem e sei que sou inadequado, mas sei também que não sou cruel.

Esse é um fardo que não carrego.

Pois bem, escrevo porque o tempo é propício, mas também para falar que senti e ainda sinto. Senti muito em pouco tempo e não sei direito o que era. Sou bom com as palavras, mas não sou bom com os sentimentos. Tudo que sinto é desorganizado, inconveniente, e se concentra num conjunto misto de ternura e respeito. Ao contrário de mim,  o sentimento que você tinha era calculado. Era exato, específico e racional. Compartimentado. O que eu tinha larga escala, você mantinha reduzido. E também percebo que eu era um na multidão dos seus amores, enquanto você era a multidão de todo o amor que sentia. E sinto muito por você, mas não por ter sentido tanto.

Sinceramente,

Adeus.

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