sábado, 26 de novembro de 2016

As ruínas daquela casa

Todos os dias passava na frente daquela casa, a caminho do colégio. Quase sempre cantando alguma música boba que improvisava ou inventando um jogo onde só podia andar pela sombra porque o sol era tóxico e me mataria em cinco segundos - coisas de menino que hoje não posso mais fazer, pois a gente cresce e percebe que os outros estão olhando, então passa a apenas pensar em fazer ou simplesmente faz escondido. Ia caminhando pela calçada com aquela ordinária farda azul. Ela era o símbolo máximo de que eu fazia parte daquela instituição e, por isso, era motivo de orgulho, mas também mostrava a fraqueza de ser um pré-adolescente que transpirava demais e deixava o lugar debaixo dos braços amarelado, o que me causava um ódio profundo, pois contrastava de forma gritante com aquele azul-claro da camisa. E a tal farda azul devia durar o ano inteiro, "pois era cara e não tinha necessidade de ter mais de uma", dizia a minha mãe. Então eu tinha que conviver com aquele sentimento duplo de orgulho e vergonha, sem saber que isso era uma preparação necessária para a vida adulta.

Voltando a falar da casa, admito que não lembro direito do aspecto dela. Lembro do muro verde, do pequeno portão marrom e que havia alguns vasos de plantas parecidos com os da minha avó. Também me lembro que, no início do quinto ano, surgiu um cachorro preto que sempre latia quando eu passava, mas que com o tempo se acostumou e começou a abanar o rabo animadamente ao me ver. Claro que, no início do próximo ano, o cão me estranhava novamente, mas eu era paciente e fazia festa até que ele voltasse a se acostumar. Mas o que me intrigava mesmo era nunca ver os donos daquela casa. Seria uma casa fantasma se não fosse o tal cachorro preto e as plantas que, embora não fossem tão bem cuidadas quanto às da minha avó, continuavam a crescer. Eu costumava imaginar como seriam os donos: era um casal jovem, que não tinha filhos (por isso o cachorro) e que vivia ali graças a uma herança de um parente distante. O homem era advogado, branco, barbudo, bem-vestido e estava sempre com muita pressa. "Não vou tomar café porque vou passar no fórum hoje", era a frase que costumava sair de sua boca. O outro homem era negro, trabalhava como professor e era falante, trabalhava os três turnos (como a minha mãe) e regava as plantas nos fins de semana. Os dois gostavam bastante de ficarem de mãos dadas ao ar livre, mas não ficavam na frente de casa porque não podiam - eu não sabia o porquê de pensar assim, só imaginava que eles não podiam - e porque a vida era muito cheia de trabalho.

Cresci e tive que mudar de colégio. Passei a ir por um caminho oposto ao daquela casa e parei de prestar atenção nela. Às vezes, passava de ônibus na frente e de tempos em tempos dava uma olhada rápida. Nunca mais vi o cachorro preto. Parei de pensar em seus donos. Agora passo todo dia na frente daquela casa, mas nunca reparei como ela está. Qual foi a minha surpresa ao olhar hoje e constatar que não havia mais pintura nas paredes ou plantas verdes em vasos. Não havia sequer um portão. Aquela casa hoje não é sequer uma casa; não passa de um terreno abandonado com algumas paredes pichadas com mato crescendo por todos os lados. Hoje olhei para aquela casa e pensei em como ela chegou àquela condição. Será que aquele casal foi brigando até o ponto em que não queriam mais ficar de mãos dadas e aí decidiram (como meus pais decidiram) se separar? E com quem teria ficado o cachorro preto? Será que por não haver cão de guarda a casa se deteriorou? E por que eu parei de olhar para aquele lugar? Será que isso significa que quando a gente vai envelhecendo também para de se importar? Meu Deus, e eu envelheci tanto assim? São perguntas que continuarão navegando por aí e nunca chegarão a um porto. Sei disso. Mas também sei que aquela casa - com suas paredes descascadas, grades enferrujadas e erva daninha que não para de crescer - não é nada além da evidência de minha própria ruína.

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