segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Segredo


Ele olha pela janela do ônibus pela força do hábito. Está de frente pros outros passageiros, mas reconhece que o seu olhar deve estar lá fora. Ou no chão. Sem interesse, vê as árvores que obedecem o ritmo que o coletivo impõe: parada sim, acenam para os passageiros; parada não, há o silêncio das folhas mortas. Parece seguir, mas está ali parado naquele mundo que não permite o seu olhar. Indesejado; não há quem queira. Como algo que está na sala e todos evitam ver porque é incômodo demais, mas está ali presente. Então, para todo problema há uma solução e a resposta está oculta, assim como o sujeito deste conto.

Ser um segredo.

Que seja escondido do mundo, pois aquilo que não é belo não pode ser posto em exibição. E quem esconde coisas belas do público? E não há quem queira guardar este segredo para si. Ele entende porque já arriscou olhar para o mundo e soube quem era. O rosto dos outros se funde num misto de decepção e nojo e angústia e constrangimento e eu já falei nojo? Porque quem se agrada de ser alvo de desejo do indesejável? Então, que se esconda por trás de mil chaves e milhões de cadeados. Que se enterre por baixo de estantes e palavras. Que abrace o seu destino e ponha o seu olhar no chão. Porque o chão, a árvore, a pedra fria não vão lhe dizer que sua pele é escura demais, ou que o corpo é magro demais, ou que os dentes são tortos demais. E me perdoem os incautos que escondem coisas boas: elas não são. Se fossem, não seriam escondidas. Então, ele se oblitera em mil pedaços, pedindo perdão por arriscar um olhar ou outro - todos temos nossos momentos de fraqueza - e sabendo do seu lugar. Sabendo que todo segredo é uma vergonha. E a dele é ser.

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